Escrito en
BLOGS
el
Hollywood tem uma tradição de filmes que mostra a cidade dos sonhos como um inferno de ganância, narcisismo e perversões. A crítica especializada tem considerado “Mapas para as Estrelas” de David Cronenberg como mais um filme com esse viés moralista sobre a indústria do cinema. Porém, ao lado do roteirista Bruce Wagner, Cronenberg foi muito além disso: conseguiu criar uma pequena galeria de personagens que consegue sintetizar os principais arquétipos que dão vida aos nossos sonhos: Viajantes, Detetives e Estrangeiros. E também a fragilidade emocional por trás de profissionais bem pagos para produzir o nosso entretenimento: a busca desesperada por amor, adoração e aceitação incondicional.
Cronenberg sempre foi fascinado pelas metáforas da invasão do corpo e a fragilidade da carne diante da tecnologia em filmes como Videodrome, Scanners, Crash ou eXistenZ. Seus filmes até podem sugerir cenas de horror, mas na verdade o diretor transita entre a comédia, o humor negro e o drama. Cronenberg está menos interessado em sangue, e muito mais na natureza monstruosa das nossas obsessões e desejos, na dificuldade de escaparmos de nós mesmos e como a sociedade cruelmente explora esse ponto fraco humano.
Guerra psíquica (Scanners), o domínio mental da TV (Videodrome) e games digitais mortais (eXistenZ) são algumas amostras dessa temática recorrente de como a sociedade é capaz de criar sistemas que envolvem tanto a carne como a alma. Mapas para as Estrelas é mais um filme desse veio crítico de Cronenberg. E dessa vez o alvo é Hollywood, tal como descrito pelo roteiro de Bruce Wagner: um inferno de ganância, narcisismo e perversidade sexual.
Mas como Cronemberg vem afirmando nas entrevistas, o diretor não pretendeu fazer mais um filme sobre os podres de Hollywood, já muito bem representado em uma série de filmes – O Jogador (1992), Sunset Boulevard (1950), Barton Fink (1991), A Star is Born (1954), Mulholland Drive (2001) entre muitos. “Não é sobre Hollywood, é um comentário sobre a condição humana que podemos encontrar em qualquer outro lugar”, diz Cronenberg para aqueles que acreditam que o filme é apenas mais uma crítica à indústria do cinema.
De fato, a crítica impiedosa à fauna que habita os bastidores de Hollywood é o ponto de partida de Mapas para as Estrelas. Mas Cronenberg conseguiu algo mais: fez um conto atemporal sobre os arquétipos da condição humana atual a partir de três tipos de personagens que a indústria do entretenimento irradia para todo o mundo - Viajantes, Detetives e Estrangeiros – sobre esses personagens arquetípicos clique aqui.
A atmosfera noir e, ao mesmo tempo, com uma luz do sol radiante e sinistra faz lembrar o diretor xará David Lynch, mas também cria esse cenário atemporal onde só assim foi possível para o diretor desenvolver esses três personagens arquetípicos que são um pedaço de cada um de nós.
Gurus espirituais, atrizes decadentes, duplas personalidades, fantasmas do passado, projeções vingativas formam uma galeria de personagens que, no fundo, são animados por esses três arquétipos da condição humana que são diariamente irradiados para todo o planeta por Hollywood. E o filme de Cronenberg é mais um exemplo disso. Como veremos, dessa maneira Mapas para as Estrelas é também um filme metalinguístico sobre a própria indústria do cinema.
O Filme
Hollywood é uma cidade governada pela fantasia e superstição – e como mostra o filme, as pessoas parecem não perceber a diferença. É um lugar estranhamente obcecado com sua própria história. Grande parte do setor imobiliário é assombrado por memórias de estrelas e escândalos do passado.
O filme abre com Agatha (Mia Wasikowska) chegando a Hollywood como fosse mais uma turista fazendo um tour pela cidade na limusine de Jerome (Robert Pattinson), um dublê de motorista e guia que conta as histórias sobre as casas das celebridades locais. Mas aos poucos percebemos que ela é outra coisa: é o primeiro fantasma do passado – a irmã que foi banida de uma família que retorna em busca de algum tipo de perdão.
Agatha é o arquétipo do Viajante: aquele que vem do nada e parte para lugar nenhum. Traz um mistério do passado (seus rosto e partes do corpo tem marcas de queimaduras) que pode definitivamente mudar a vida de todos. Busca a liberdade final, um estado de suspensão (a morte?) que possa ser a fuga de todos os males.
Julianne Moore é Havana Segrand, uma atriz assombrada pelo medo da decadência e pelo fantasma da sua mãe, atriz mais famosa que morreu jovem em um incêndio. Perpetuamente em busca reconhecimento e do amor de todos ao redor e sempre à beira de um colapso emocional. Moore cai de cabeça em um personagem insano e sem limites – a atriz até se permite interpretar uma cena defecando no banheiro enquanto discute com sua assistente Agatha.
Havana é o arquétipo do Estrangeiro: tudo parece familiar para ela – os amigos, os empresários, os agentes, a profissão. Mas sente-se como uma estrangeira dentro da sua própria cidade, em um permanente estado de alienação. Faz terapia com um guru de autoajuda (Stafford Weiss – John Cusack), um escritor best-seller que vive da mistura californiana massagem-budismo-freudismo.
Mas Weiss também tem seus fantasmas: é Agatha, sua filha “Viajante” que vem do passado ameaçando estragar o lançamento de seu novo livro com um escândalo.
Seu outro filho, Beije (Evan Bird), é uma estrela infantil arrogante e detestável. Enquanto faz mais um filme, preocupa-se que outros atores não roubem suas cenas. Sua família é uma perfeita estufa de sociopatia e tentam esconder a chegada da sua irmã Agatha na cidade. Bieje também é perseguido por um fantasma: uma fã falecida.
O arquétipo transversal do Detetive
Paradoxalmente os fantasmas perseguem pessoas que não creem no sobrenatural: são materialistas e apegados demais a suas carreiras para se preocuparem com questões metafísicas. Por isso, os fantasmas criam loucura e paranoia – para todos há um passado que envolveu incesto, abuso sexual ou assassinato. Por isso, o arquétipo do Detetive é transversal na narrativa.
Assim como nos clássicos do cinema noir onde os detetives procuravam resolver mistérios que, inadvertidamente, relacionavam-se com segredos bem guardados do seu próprio passado, também em Mapas para as Estrelas os personagens lidam com problemas que sem saberem vai remeter a passados obscuros.
Cronenberg e o roteirista Bruce Wagner conseguiram resumir no filme os três personagens arquetípicos que representam a constituição da subjetividade contemporânea. Viajantes, Detetives e Estrangeiros estão presentes em cada filme, vídeo clip ou minissérie produzida pela indústria do entretenimento.