Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som). Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Linguagem Audiovisual. Pesquisador e escritor, co-autor do "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e autor dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose – a recorrência de elementos gnósticos na produção cinematográfica" pela Editora Livrus.
A lama de Mariana e os atentados de Paris entre os tempos histórico e midiático
Causou estranheza a muitos leitores o título da última postagem: “Os Atentados de Paris não aconteceram”. Então foi tudo montagem? E os mortos? O “Cinegnose” está delirando? Por isso, este humilde blogueiro decidiu fazer mais um postagem detalhando melhor o argumento: os atentados de Paris "não aconteceram", paradoxalmente, porque foi um acontecimento noticiável. Da lama de Mariana aos atentados de Paris está em confronto duas noções de tempo: o histórico (colocado em segundo plano pela mídia) e o midiático. Ambiguidade, infogenia, noticiabilidade, tempo pontual e o terrorismo como um “pseudoevento” foram fatores que tornaram os eventos de Paris muito mais noticiáveis para a grande mídia do que a catástrofe humana e ambiental de Mariana.
Devido à grande polêmica entre os leitores sobre a postagem anterior sobre os atentados de Paris, o “Cinegnose” decidiu fazer um maior detalhamento para tentar esclarecer dúvidas e uns tantos males entendidos. Parece que muitos leitores se apegaram aos aspectos mais sensacionalistas da postagem - os atentados não aconteceram? Foi tudo montagem? Falsa Bandeira? E os mortos? Foi tudo simulação? Mais uma das malucas teorias sobre conspirações? Esse humilde blogueiro estaria virando um Michael Moore brasileiro? De início o título: “Atentados de Paris não aconteceram” é uma óbvia referência ao filósofo francês Jean Baudrillard que, diante da Guerra do Golfo de 1991 e dos atentados à torres do WTC em 2001, disse que tais fatos “jamais aconteceram”. Claro, não no sentido do seu registro “real” ( houve mortos, violência e destruição), mas como exemplares de fatos midiáticos e midiatizáveis. Nesse sentido, os atentados de Paris foram bem diferentes da tragédia humana e ambiental de Mariana/MG. Em Paris tivemos um fato regido pelo tempo midiático, enquanto em Minas Gerais um fato regido pelo tempo histórico. Enquanto o tempo histórico tem uma natureza espontânea e externa ao contínuo midiático, ao contrário, no tempo midiático temos a geração de acontecimentos midiatizáveis. Em outras palavras, são acontecimentos produzidos propositalmente para se encaixar a um roteiro pré-existente nas redações da grande mídia – possuem timing, logística e oportunidade perfeita para a cobertura e transmissão. Vamos comparar essas duas tragédias (Paris e Mariana) dentro dessa dualidade tempo midiático versus tempo histórico para esclarecer melhor a postagem anterior e aprofundar o tema.O homem que morde o cão é noticiável?
Tive um professor na faculdade de Jornalismo que definia o conceito de notícia dessa maneira: se o cão morde um homem, não é notícia. Notícia é quando o homem morde o cão. Mas as coisas deixaram de ser assim tão simples a partir do momento em que a expansão dos meios de comunicação criou um contínuo midiático – uma espécie de horizonte de eventos: fora dele nada acontece (embora continue existindo lá fora a realidade e a História), porque não é midiatizável. Notícia é tudo aquilo que possa ser midiatizável: para o acontecimento do homem que morde o cão virar notícia dependerá não só do local e timing – a mídia deverá ter um roteiro pré-existente sobre histórias com personagens hidrófobos para que o acontecimento se encaixe no script e mereça a categorização de “noticiável” . O primeiro a perceber isso foi o historiador norte-americano Daniel Boorstin, o primeiro teórico da simulação. Boorstin falava de uma categoria bem peculiar de acontecimentos que estaria cada vez mais dominando a sociedade: os pseudoeventos. Seriam eventos que se distinguiriam dos eventos reais pela sua natureza falsa ou que tende para o artifício, para a fabricação deliberada para as câmeras de TV, fotografia ou repórteres.
a) Natureza do Acontecimento
A tragédia de Mariana foi disruptiva. Embora alertada por especialistas, foi inesperada para o horizonte midiático de eventos. Inscreve-se nos “fatos criados por Deus” por ser um acontecimento externo ao contínuo midiático. Ao contrário, os atentados de Paris replicam a narrativa da super conspiração terroristas iniciadas pelo 11 de setembro de 2001 nos EUA. Desde então uma série de produções audiovisuais (jornalísticas e cinematográficas) vem repercutindo na midiosfera essa narrativa – Bin Laden, Al Qaeda, ISIS, etc. convertidos em personagens ficcionais no cinema e fluxo constante de informações e especulações jornalísticas. Os atentados terroristas buscam a repercussão massiva, propagandística.(b) Tempo
A tragédia de Mariana foi regida pelo tempo histórico: causas foram se acumulando de forma subterrânea até resultar na catástrofe humana e ambiental. Como todo acontecimento histórico, resulta de fatores econômicos, políticos, ambientais, culturais e psicológicos que vão de forma secreta e anônima evoluindo, acumulando, até chegar ao acontecimento disruptivo. O tempo midiático é bem diferente: ele produz intervenções pontuais que não possuem uma natureza histórica ou acumulativa – são replicações, clonagens, repetições de um único roteiro. Por isso, para evitar o tédio por serem mais do mesmo, devem ter um timing perfeito: no caso de Paris, após a queda do Boeing russo no Egito e um pouco antes da Conferência Internacional sobre o clima a ser realizado na capital francesa. >>>>>>>>>>Leia mais>>>>>
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