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Há quase 3 mil anos na China, Chefe Shang, dirigente na totalitária Disnastia Ch’in, criou a ardilosa tática de estímulo ao dedo-durismo generalizado entre agricultores: preocupados em vigiar seus vizinhos, esqueciam-se que estavam sob um regime de terror e autoritarismo. Desde então, o dedo-durismo passou a ser a prática recorrente nos regimes totalitários. Pois o gênio do Chefe Shang continua vivo – sob o pretexto de “exercício da cidadania” durante a chamada “crise hídrica” em São Paulo, a grande mídia vem estimulando pessoas a enviar vídeos e fotos de vizinhos que supostamente desperdiçam água. Mais uma vez a grande mídia pisa no pântano do proto-fascismo: uma suposta cruzada cívica que pode se transformar em vingança e violência por motivos oportunistas como racistas, sexistas ou político-ideológicos. Com isso, São Paulo dá mais um passo para o seu futuro distópico – uma cidade transformada em um deserto igual ao filme "Mad Max" com milícias de “fiscais da Sabesp” executando aqueles que escondem não mais gasolina, mas agora água.
Desde a explosão do nazi-fascismo no período entre guerras no século XX, a sociologia tenta entender como é possível a ascensão de regimes ou atmosferas totalitárias em países formalmente democráticos. Mais do que um sistema totalitário centralizado nos moldes de 1984 de George Orwell, o que chama a atenção é o fenômeno do totalitarismo descentralizado e difuso, com o apoio de quase toda a população.
Sociólogos como o norte-americano Barrington Moore Jr. (1903-2005) apontam para similaridades entre o totalitarismo moderno e das sociedades pré-industriais. Práticas totalitárias modernas que se repetem ao longo da História, desde a antiguidade – veja “Totalitarian Elements in Pre-industrial Societies”, In: Political Power and Social Theory, Havard University Press, 1958.
Uma semente desse totalitarismo popular tentou germinar na democracia ateniense sob a forma de anti-intelectualismo - sentimentos religiosos enraizados eram uma fonte de ressentimento e ódio contra os intelectuais. Mas felizmente para os gregos esse sentimento careceu de tradução política, tornando-se totalmente ineficaz.
Bem diferente disso, há quase 3 mil anos a dinastia Ch’in (221-209 A.C.), de onde vem o nome China, construiu não só um estado poderoso baseado no terror e tirania mas também uma forma de totalitarismo popular baseado nas suspeitas e antagonismo individuais. E criou uma tradução política e um modo de produção baseado no medo e desconfiança.
[caption id="attachment_985" align="alignright" width="300"] Dinastia Ch'in: modo de produção baseado no medo e antagonismos[/caption]
Por exemplo, diz-se que um tal de Chefe Shang organizou famílias de agricultores em lotes vizinhos laterais para permitir controle e vigilância mútuos. O Estado centralizado estimulava que cada um aplicasse castigos uns aos outros, além de denunciar os supostos crimes dos vizinhos. Com isso, os dirigentes responsáveis pelo recolhimento de produtos e tributos tiravam proveito dos antagonismos e desconfianças entre os vizinhos.
A estratégia diversionista do dedo-durismo
Perfeita tática diversionista: o Estado totalitário e os pesados tributos eram esquecidos pelas intrigas, ressentimentos e vinganças estimuladas por uma espécie de dedo-durismo oficial generalizado.
Séculos depois, Maquiavel descreveria essa estratégia do Chefe Shang como “dividir para reinar”- provocar a divisão entre seus potenciais opositores para estabelecer um poder baseado no diversionismo.
Pois em plena chamada “crise hídrica” (expressão marota que dá uma conotação natural a um efeito da incompetência gerencial da Sabesp), eis que a grande mídia, a pretexto de estimular “o exercício da cidadania”, coloca em ação a milenar estratégia do Chefe Shang: incentivar a delação entre vizinhos para que qualquer um tenha orgulho de cumprir o dever em denunciar os “gastões” de água.
[caption id="attachment_986" align="alignleft" width="220"] Maquiavel: "dividir para reinar"[/caption]
Telejornais apresentam vídeos feitos com telefones celulares dos telespectadores mostrando vizinhos lavando calçadas, carros ou simplesmente regando o jardim.
Com o requinte retórico típico das matérias explosivas sobre denúncias da Operação Lava Jato, delatores são colocados em contra-luz com a voz alterada para nãos serem identificados enquanto relatam em detalhes os delitos dos vizinhos gastões.Telejornais apresentam vídeos feitos com telefones celulares dos telespectadores mostrando vizinhos lavando calçadas, carros ou simplesmente regando o jardim.
Enquanto isso, o Portal Terra incentiva internautas a enviarem fotos com casos de desperdício de água por meio da página chamada “VC Repórter”.