Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som). Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Linguagem Audiovisual. Pesquisador e escritor, co-autor do "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e autor dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose – a recorrência de elementos gnósticos na produção cinematográfica" pela Editora Livrus.
Freud explica: encha o estômago antes de comprar
Por que as pessoas quando olham para vitrines das lojas em shopping centers passam a língua ou mordem os lábios, ficam de boca aberta e roem unhas? Por que os comerciais de produtos de limpeza domésticos como sabão em pó ou desinfetantes utilizam tantas hipérboles como mostrar a sujeira como monstrinhos que se escondem na trama dos tecidos ou nos vasos sanitários? Por que ao lado de cada Ferrari ou Masserati em feiras de automóveis estão sempre lindas e atraentes modelos? Por que precisamos encher o estômago antes de comprar para evitar o consumo impulsivo? Durante o quarto encontro do curso “A Linguagem das Mercadorias” na Universidade Anhembi Morumbi (UAM), ministrado por esse humilde blogueiro, as discussões mergulharam no universo das técnicas psicanalíticas aplicadas pelo Marketing e Publicidade.
Dentro do Módulo 2 da pós em Comunicação e Semiótica da UAM, nessa última segunda-feira demos continuidade ao curso “A Linguagem das Mercadorias” que objetiva apresentar e discutir as diversas mutações que a forma-mercadoria assume na sociedade de consumo. Pressionada pelas constantes mudanças das necessidades mercadológicas, vimos que a mercadoria deve se transformar em signo (abandonar a materialidade do “aqui está o produto, agora compre-o!) para assumir sucessivas mutações como o signo-fetiche, o signo-afeto, o signo-desejo, o signo-dádiva etc.
Isso significa que a mercadoria deve cada vez mais ocultar a sua operação econômico-comercial (compra, troca e consumo) para se transformar em signos de experiências, narrativas pessoais, fantasias e desejos. Nesse quarto encontro do curso acompanhamos os mecanismos de transformação da mercadoria em signo-desejo e signo-dádiva mergulhando no universo da psicanálise do consumo.
Como ponto de partida, assistimos ao documentário produzido pela BBC e dirigido por Adam Curtis O Século do Ego (The Century of Self, 2002) mais especificamente o episódio 2 “A Engenharia do Consenso”. Nesse episódio é narrado como as ideias de Freud chegaram aos EUA através de sua filha, Anna Freud, e pelo seu sobrinho, Edward Bernays (o inventor da profissão de Relações Públicas) como técnicas para controle das massas na era da democracia: a teoria do inconsciente trazida para o cerne do mundo da propaganda e do marketing.
Consumo e sentimento de culpa

Mas no mundo da Publicidade foi outra história: solidificou-se como ferramenta que não somente ajudava a compreender as associações mentais que os consumidores faziam com marcas e produtos, mas também quebrava barreiras e resistências psíquicas diante das novidades mercadológicas.
O mais célebre foi o caso da massa de bolo instantânea Betty Crocker. Pesquisas psicográficas descobriram que a conveniência e excesso de facilidade da massa instantânea despertava culpa inconsciente nas donas de casa. Solução para quebrar a barreira da culpa: dar uma sensação de participação ao consumidor colocando como instrução na caixa do produto que fosse adicionado um ovo à massa. Isso acabou criando um valor simbólico inconsciente atenuante da culpa – o fato da dona de casa misturar pessoalmente um ovo tornava-se como um presente ao marido... - veja vídeo abaixo.
Algo semelhante ocorreu no Brasil com a Polentina (polenta instantânea) da Quaker quando do seu lançamento no final da década de 1970 no Brasil: sentimentos de culpa das donas de casa foram detectados em pesquisas de comportamento de compra e consumo. A associação afetiva da polenta com valores familiares (o esforço de fazer um prato trabalhoso como prova de amor aos filhos e marido) fez a Quaker demonstrar que o produto não servia apenas para fazer polenta, mas também doces e tortas – veja WELLAUSEN, Arare, Consumismo – A origem em cada um de nós, Porto Alegre: Tchê!, 1988. Isso acabou servindo de álibi para a compra do produto sem culpa – o que nas discussões da aula chamamos de “lógica do papai-noel”, como veremos na próxima postagem sobre o curso.
“Lugar de gente feliz”
Nos diversos estudos de caso discutidos pela classe, chegamos a três tipos de perfis psicográficos de consumo: o narcisista impulsivo (correspondente à chamada “fase oral” na psicanálise), o consumidor anal-obsessivo-compulsivo e o consumidor fálico.
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McDonald's: batas fritas e sundae substituem o primeiro amor |
No primeiro caso, a experiência da primeira namorada é associado com o sabor da bata frita passada no sundae: você pode ter perdido a namorada, mas poderá para sempre repetir compulsivamente a sensação ao comer bata frita com sundae do McDonald’s. Assim como a sensação de felicidade com “as coisas simples da vida” poderia ser repetida a cada compra no Pão de Açúcar.
Encha o estômago antes de comprar
Compulsão e viciosidade são as palavras chaves na oralidade do consumo: assim como o bebê guarda na memória o prazer da primeira vez em que foi alimentado pelo seio materno e tenta compulsivamente o leite mesmo sem estar com fome para tentar repetir a experiência prazerosa, da mesma forma ocorre a viciosidade do consumismo. Nunca a segunda vez conseguirá repetir as sensações da primeira experiência (principalmente porque foi idealizada pela retórica publicitária ou pela idealização do amor materno), criando a compulsão e repetição – o vício por drogas seguiria essa mesma dinâmica: a primeira experiência é intensa e impactante, que será obsessivamente buscada depois sem sucesso, criando dependência e destruição com o aumento da dosagem.
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Vitrines desperta reações orgânicas como a fome |
Por isso, antes de sair para fazer compras lembre-se: encha o estômago e mate a sede para fazer uma compra mais racional.
O consumidor anal-obsessivo-compulsivo
Se o consumidor narcisista impulsivo busca a gratificação imediata e a repetição da intensidade da satisfação, ao contrário, o anal-obsessivo-compulsivo paradoxalmente busca de forma masoquista a interdição do prazer. Percebemos nas análises de casos como os comerciais de produtos de limpeza possuem uma retórica exagerada, hiperbólica, onde a sujeira é vista como uma monstruosa ameaça e os produtos dotados de nomes mágicos e estranhos. O que é um sabão em pó com “progress bleach de ação flash?”. Tais expressões retórica soam como música para compulsivos por ordem e limpeza.
Ou ainda os comerciais de seguradoras: se no passado as apólices de seguros eram promovidas como uma forma de proteção do patrimônio conquistado em uma vida, hoje são associadas ao medo compulsivo-obsessivo. A fotografia de um carro cercado de armadilhas de caça atinge diretamente um perfil psicográfico marcado pela “analidade”: o prazer masoquista da retenção e interdição – a necessidade da vida ser organizada, ritualizada e previsível como forma de proteção de ameaças de um mundo real que são aumentadas pela retórica publicitária.
Toda publicidade é fálica?
E por fim analisamos a afirmação de que “toda publicidade é fálica”, isto é, a transformação dos produtos em símbolos de status, reconhecimento, poder e prestígio. Pelo ponto de vista da psicanálise do consumo, a aquisição de simbolismos fálicos não se refere tão somente a um desejo humano competitivo por distinção: há a exploração da ansiedade originada pelo “medo da castração”.
A presença constante da mulher como objeto promotor de mercadorias de luxo ou de marcas corresponde ao desafio da potência masculina: “quer uma mulher como essa? Pois então compre um carro como esse!”. Para Freud a ansiedade da castração jamais é resolvida no psiquismo masculino, tornando-se uma inesgotável ferramenta de promoção de consumo de bens com alto valor agregado.
Mas a cobrança da castração não se limita a uma questão simplesmente sexual. Por trás do simbolismo fálico há uma promessa mais profunda no consumo: a da ligação e criação de vínculos sociais como o oposto da solidão e da indiferença. Quem não se lembra do personagem “O Ligador” da operadora de celulares Oi? É a promessa de que produtos e serviços são mais do que coisas úteis: são meios para garantir de que o consumidor jamais será solitário porque atrairá a atenção e amor de todos.
Os encontros do curso “A Linguagem das Mercadorias” ocorrem todas as segundas-feiras na sala 752 – Unidade 7 do campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo – Rua Casa do Ator, 275. O curso vai até o dia 22/09.
Os encontros do curso “A Linguagem das Mercadorias” ocorrem todas as segundas-feiras na sala 752 – Unidade 7 do campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo – Rua Casa do Ator, 275. O curso vai até o dia 22/09.
Para maiores informações sobre a pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi clique aqui.
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