Trabalhador preto assassinado e estudante branco celebra estupro
Pobre país em que pobre trabalhando é considerado culpado enquanto abastados celebram seu descompromisso com a civilidade
O abismo social brasileiro está aí para quem quiser ver. Levante a mão quem já foi atendido por um médico preto. Ou, diminuindo as expectativas, quem já foi a um consultório em que a atendente fosse uma mulher preta.
Enraizado na sociedade, o abismo é normalizado. Até que, de vez em quando, explode na cara de quem tem olhos para ver.
Duas notícias aparentemente desconexas fazem a ligação e mostram como falta muito e muito para que o Brasil seja um país mais igual.
Lucas é preto. Era preto. Agora, é estatística. Mais um trabalhador preto assassinado.Estava consertando o carro de um amigo em uma avenida movimentada em Barueri. Foi abordado por policiais, com murros e pontapés. Em seguida, dois tiros. Sem chances de escapar.
Tinha 26 anos. Com certeza, tinha sonhos. Talvez um emprego melhor, talvez ver seu time fazer um bom campeonato brasileiro. Pode-de arriscar que nunca teve, até por ser impossível de se concretizar, o sonho de ser médico.
A Faculdade Santa Marcelina, de Medicina, em São Paulo, é o local onde o sonho de muitos estudantes vira realidade. Todos brancos. Abastados. Pagam por mês o que Lucas não sonhava ganhar na vida.
Em um jogo de calouros, eles cantam. E louvam o estupro, com rimas como "entra porra e escorre sangue; tu gritando igual o capeta".
No ano passado, ficou famoso o caso de outra escola de medicina em que os alunos transformaram a quadra em um enorme masturbódromo.
Assim é a vida do trabalhador preto, correndo risco de vida. Assim é a vida do estudante branco, uma enorme festa. Festa sem fim, alimentada depois por consultas de 12 minutos e meio salário mínimo.