Paulo Roberto Falcão, sinônimo de elegância no trato com a bola, disse uma ocasião que jogador de futebol morre duas vezes: quando a vida termina, como todos os outros, e quando se aposenta. A saudade do estádio cheio, a ausência de contato com torcedores, a ausência de notícias - de ser notícia - a falta de convite para entrevistas, tudo doi demais, como uma morte lenta. Sem contar a falta do dinheiro sagrado de todo mês.
Corta para Aloísio Chulapa, centroavante com mais técnica do que o tipo físico deixa antever, emocionado, indo às lágrimas ao receber um anel de ouro e diamantes que recebeu do São Paulo por ser um dos tricampeões mundiais do clube, com participação decisiva em 2005. É um modo de manter a lembrança de velhos tempos, de grandes conquistas, um meio de afastar um pouco a morte midiática, de voltar a viver, por um dia que seja.
O trabalho que a gestão Júlio Casares faz com seus jogadores veteranos é exemplar. Há o Camarote dos Ídolos, a Feijoada dos Ídolos, há a participação de velhos jogadores na busca de donativos para a Bahia, quando o estado foi castigado com chuvas violentas, enfim, estão sendo sempre lembrados.
O São Paulo não faz distinção entre seus antigos jogadores. Não é preciso ter jogado apenas no São Paulo, não é preciso ter sido campeão apenas no São Paulo, não é preciso ter ficado ao menos um ano no clube, não tem problemas se foi duro na negociação para renovar contrato. Basta ter sido ídolo. O resto é coisa do profissionalismo. O São Paulo não exclui ninguém.
Pois deveria.
É inadmissível para um torcedor como eu ver tantos salamaleques e rapapés com Cafu. Ele não deveria ter sido convidado para a festa de 30 anos do título mundial contra o Milan. Melhor seria chamar o reserva, Jura.
Cafu foi o pivô de uma grande humilhação sofrida pelo clube.
Ele foi vendido ao Real Zaragoza, da Espanha em 1995, após 273 jogos e 38 gols pelo São Paulo. Lá, na Espanha, ficou por 17 jogos e zero gols. Foi então repatriado pelo Juventude, onde ficou por um mês e dois jogos. Depois, foi para o Palmeiras.
Até aí, nada de errado. Afinal, o Palmeiras tinha uma cogestão com a Parmalat e muito mais dinheiro.
Acontece que o São Paulo tinha informações de que a ida para a Espanha seria uma ponte para que voltasse ao rival paulista. Ou ao Santos e Corinthians. E estabeleceu uma multa de 3,6 milhões de dólares.
A Parmalat se recusou a pagar e o caso foi parar na Fifa. Foi determinado então que o São Paulo teria direito a receber um milhão de dólares. José Carlos Brunoro, então homem forte da cogestão humilhou o São Paulo. Disse que pagaria aquela esmola.
Futebol é profissionalismo e jogador não precisa ter gratidão nenhuma a clube algum. Precisa cumprir o contrato com dignidade. Ninguém reclama de Muller, Ronaldão, Válber, Palhinha, Raí e outros campeões mundiais que jogaram por outros clubes. Não é isso. O que revolta é que Cafu sabia de tudo e se sujeitou a fazer parte da volta que o clube levou. Na época, dizia não saber de nada, como se fosse um alienígena. Nunca se posicionou quando Brunoro falou em "esmola".
O São Paulo há tempos bajula Cafu. Houve um jogo decisivo da Libertadores em que ele foi levado ao vestiário para falar algumas palavras aos jogadores. Participou da Copa de Lendas em 2019. E da despedida de Rogério Ceni, o que é justificável por ter sido uma realização do goleiro que tem o direito de escolher seus convidados.
Futebol é negócio, mas não pode viver sem paixão. Sem paixão, não dá pra chupar nem um picolé, disse o genial Nelson Rodrigues.
Bajular Cafu é demais para mim.