Logo após uma sessão de tortura ofereci carona a uma rival em potencial. Estávamos longe de casa e íamos para o mesmo bairro. Poucos minutos foram suficientes para que os espíritos desarmados revelassem pessoas pretendendo as mesmas oportunidades profissionais, o que não é suficiente para inviabilizar convivência respeitosa.
Antropóloga, feminista, militante entusiasta das comunidades quilombolas e forte pertencimento ao Candomblé. Esses marcos sociais não foram revelados como prova de títulos. Narrativa de vida tecida. Algumas coisas falam ao nosso respeito mas não dizem tudo. A moça sentada ao meu lado no automóvel que se deslocava por uma avenida chamada Brasil era bem mais do que os rótulos que queiramos colar.
Falei dos meus interesses acadêmicos e recentes produções. Porém, o que mais rendeu foi um aspecto: sou pastor evangélico.
Anseio por esses encontros fraternos em que o respeito pela outra ou outro preceda a todo e qualquer marco social de diferença. Foi tão bacana proporcionar acolhida no carro, mas também no olhar, no gesto, na singeleza que é ser humano. Reciprocidade a despeito do espírito acadêmico belicoso e das intolerâncias religiosas no contexto brasileiro.
Tenho consciência de que essa experiência foi algo excepcional. Exceção. Vivemos numa realidade de generalizações que geram distanciamentos. Rótulos que provocam hostilidades. Desrespeitos e humilhações por questão de gênero, raça, religião, etc. O problema é que parece que todos só se reconhecem como vítimas e não como agressores.
Os pré-conceitos são aprendidos nas vivências sociais. Os binarismos recheados de autoafirmação e depreciação do outro. Fácil verificar essas marras mesmo nas turmas das crianças do pré-escolar. Os pequenos trazem de casa, muitas vezes, a lição do desrespeito pronta. Longe de ser um registro da natureza, a má educação é traço da cultura.
Parece que o mais simples é rotular e se afastar enquanto que aproximar-se generosamente a despeito das múltiplas diferenças é “arriscoso”. Por que não? Neste caso tentar o arriscado pode ser mais digno do que acovardar-se nas certezas simplórias a respeito do outro. Conhecer alguém exige esforço e requer de nós no mínimo boa vontade.
Quando primeiro nos afeiçoamos às pessoas sem saber dos seus pertencimentos sociais, damo-nos conta de que pré-conceito não é algo de que ouvimos falar, mas abrigamos.
Tolos ensimesmados. Inseguros nas próprias certezas. Pasmos com a beleza da alteridade.
Como profissão de fé, na tentativa de seguir o exemplo de Jesus de Nazaré, renuncio a disputa pela razão pela busca da compreensão. O Mestre inquieto resolveu viver na dimensão da inclusão ampla e abrangente. O outro, seja quem for e esteja onde estiver, é quem eu devo acolher e amar. Talvez o título que eu carrego constranja e atrapalhe, mas essa é outra história.