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A cobertura da TV aberta brasileira da passagem do Papa Pelegrino deixou-me enfastiado. Francisco convida a Igreja a desencastelar-se, mas nossa televisão prefere o cenário medieval. O processo de canonização da Igreja Católica é mais cauteloso do que os artifícios profanos de canonização impostos pela Rede Globo e suas concorrentes. A questão não é religiosa. Os anunciantes vendem no ambiente espetaculoso. Para as grandes redes de televisão a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude são oportunidades para bons negócios. O romantismo de bom jornalismo dá lugar a uma linguagem piegas.
O Francisco beija a presidente da República e quem está ao seu alcance, enquanto os closes televisivos o preferem no altar. O enquadramento televisivo sofre por antecipação quando percebe que o argentino que torce pelo San Lorenzo ainda não se habituou a posar de homem excepcional. Como glorificar àquele que insiste em encarnar?
O gesto impregnado de sentidos que foi levemente desprezado, pois não combina com a idealização de um ser alado: Francisco bebeu sem cerimônia o chimarrão oferecido na rua por um peregrino qualquer. Para o protocolo midiático e estatal uma impetuosidade perigosa, no entanto, para os crentes latinos americanos tão afeitos a dividir a cuia e a bomba, nada mais do que a generosidade entre irmãos.
A propósito, outro descuido da nossa televisão “aberta”: o rosto luminoso do jesuíta no encontro na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro com os seus compatriotas. Sem dúvida foi o momento em que o Papa Francisco foi mais Jorge Mario Bergoglio. A birra com os hermanos não serve de desculpa para a cobertura rala. A questão é que essa indústria de entretenimento não suporta o caseiro. O padre Bergoglio não faz parte do espetáculo. Beijinhos, chimarrão e a espontaneidade na Catedral não foram combinados. Os editores determinaram: apaguem o padre da periferia e joguem luz sobre o Santíssimo Pontífice.
As edições “jornalísticas” televisivas mostraram fixação num papado de sacristia. Quase que podíamos sentir na sala de casa o cheiro do incenso forjado nas ilhas de edição. Na linguagem bíblica: fogo estranho. Caso resolva reeditar o livro Simulacro e poder: uma análise da mídia, Marilena Chauí teria amplos exemplos de simulacros midiáticos nessa cobertura da Jornada Mundial da Juventude.
Na contemporaneidade julgam que o culto certo é aquele que atrai telespectadores. A Igreja Eletrônica vai superar a Igreja Comunidade? O Santo Padre chamando os cristãos às ruas. Os editores de plantão interessados em liturgias previsíveis de preferência na nave do templo. Contorna-se melhor a “intensidade da luz” no estúdio do que nos espaços abertos.
O que de mais bonito aconteceu nesta semana da Jornada Mundial da Juventude foi justamente o sentido de comunidade. Jovens de tantos lugares recebidos como hóspedes dentro das casas de pessoas dispostas a reaprender a acolher. Parece-me que a eclesiologia da garotada de mochila nas costas é bem mais interessante do que as performances que ocorrem nas catedrais. No entanto, as miudezas dos encontros dentro de casa não foram destacadas pelos jornalistas de plantão. Os peregrinos foram olhados pelas lentes das câmaras como turistas que trazem divisas econômicas para o Estado e não como comunidade da partilha.
No início do ministério público de Jesus de Nazaré o coisa ruim o assediou com propostas indecentes: Torna-te em um outro! Esquece quem você é! Esquece a sua missão! Esquece quem eu sou. Vai longe à distância entre o peregrino de Nazaré para o de Buenos Aires. O mestre Jesus resistiu e confirmou a sua identidade. Quanto ao Santo Francisco do século XXI, o tempo dirá se ele sucumbirá às forças perversas que andam ao redor.