Tratando especificamente da intricada relação entre os detentores do poder e os dominados, Max Weber refere-se a três tipos de legitimações básicas do domínio: domínio tradicional encontra a sua força de sustentação na consagração do tempo; domínio carismático se sustenta na liderança munida de poder extraordinário sempre renovado; e o domínio legal é afirmado através da funcionalidade das regras racionalmente criadas.
As lideranças eclesiásticas lidam com o poder de uma maneira bem própria. Seria uma simplificação deduzir que essas lideranças têm no âmbito espiritual a fonte exclusiva dos seus poderes. Seja na versão da Igreja Católica ou das denominações evangélicas, o poder é tema de bastidores com direito a intricados arranjos institucionais e impensados acordos pragmáticos.
Muito embaraçoso admitir que na história recente do Brasil, uma das maiores nações cristãs do mundo, muitos são os exemplos de líderes que recorrem a recursos duvidosos para obterem resultados momentosos para a igreja que servem. Neste caso fazem a sua profissão de fé embebida no pragmatismo religioso.
É compreensível que esse pessoal tente esconder as fontes dos seus poderes, mas são bastante ciosos quando têm que dá visibilidade aos resultados palpáveis que obtêm. As legitimações dessas lideranças eclesiásticas são conquistadas na contabilidade dos seus resultados, iluminados e festejados por competentes campanhas de marketing. Ridicularizam os líderes idealistas que têm na cabeça boas ideias, no entanto, ficam empacados nos seus princípios, não usufruem de resultados que asseguram o poder. O pragmatismo da liderança eclesiástica tupiniquim reza que escrúpulos não enche igreja.
Já que a fé dos liderados depende tanto dos resultados tangíveis, os líderes carismáticos ficam diante de duas possibilidades imediatas: ou se reinventam ou encontram mecanismos de acessar o sobrenatural. A primeira alternativa parece ser a mais fácil. O imediatismo do liberalismo individualista se impõe. O liderado quer a sua satisfação garantida e não importa muito os meios que o padre ou pastor utilizaram para "fazer chover". Portanto, liderados afoitos por bons resultados e líderes desapegados dos constrangimentos dos ditos valores cristãos. Casamento macabro.
Weber cita como exemplo de usuário do domínio carismático o profeta. A fala profética é antecedida pela revelação da divindade. Os seguidores dessa liderança creem no Deus que se revelou e creem no indivíduo que transmitiu a mensagem. A liderança carismática religiosa encontra sua legitimação na crença dos liderados que lhes delegam poder. Realmente não vejo nenhuma afetação ética em um sujeito conquistar e cultivar o poder proveniente do carisma religioso, no entanto, historicamente, é muito recorrente a degeneração desse poder em um domínio arbitrário típico dos piores tiranos.
A propósito, a noção de tirania é bem-vinda para nos ajudar nesta discussão. John Locke conceitua tirania como o exercício do poder além do direito. O tirano está comprometido consigo mesmo e não com os governados. A tirania começa exatamente onde a lei termina. Por tanto, trata-se de um governo que se afirma através do poder arbitrário e ilegal.
Não é difícil o poder carismático se degenerar em tirania religiosa. Estamos às voltas com questões identificadas lá no longínquo debate sobre o absolutismo. Acreditava-se que o detentor do poder deveria dele usufruir sem conhecer limitações de ordem alguma. A fonte do poder estaria no próprio Deus. Deus elege os seus dignos representantes que têm a chave para acionar o sobrenatural e competência para gerir a ordem natural. Caberia aos simples mortais reconhecer os ungidos do Senhor que receberam delegação para manifestar a vontade eterna.
Temos assistidos na história recente brasileira não uma reedição do absolutismo, mas a lógica da representação democrática com traços da legitimação do poder eclesiástico. Conexão perversa para a política, deletéria para as igrejas.