O Brasil não é verdadeiramente um país para amadores. É preciso ser além de profissional, muito malandro e ainda contar bastante com a sorte para tentar fazer análise política neste território que se diz verde amarelo.
Se alguém ousasse dizer na semana passada que o ministro Fachin iria aceitar a tese de que a vara de Curitiba, sob a jurisdição de Sergio Moro, não era competente para julgar o ex-presidente Lula, provavelmente essa pessoa seria internada.
Não havia indício algum de que Fachin daria esse cavalo de pau e voltasse à fase 1 do processo de Lula. Sim, amigos, à fase 1. Porque foi exatamente no começo do debate do processo que a defesa questionou a legitimidade de Moro julgar o caso de um apartamento no Guarujá que não tinha relação alguma com o tema da Petrobras. Como também não tinha o caso do tal sítio de Atibaia.
Todos os argumentos utilizados pela defesa de Lula à época eram refutados com um argumento estapafúrdio de que havia um quadrilhão do PT e que o chefe era Lula. E que por isso Moro era o juiz competente para o caso.
Esse argumento foi jogado fora por Fachin na tarde hoje, junto com o power point de Dallagnol e todo o discurso dos tais filhos de Januário. Aquela retórica lavajatista foi jogada no lixo por Fachin, porque se o caso de Lula não tem relação com a Petrobras, como acaba ele de assinalar, Lula não podia ser considerado o chefe de todo o esquema. E mais do que isso, Lula foi preso por 580 dias com base num processo viciado e injusto. Afinal de contas ele não poderia ter sido julgado pelo juiz que o mandou à prisão.
Mas o que essa decisão muda do ponto de vista político? Como ficará o país depois do cavalo de pau de Fachin?
O Brasil passa a ter desde hoje um segundo turno praticamente já definido para as eleições de outubro de 2022. De um lado Jair Bolsonaro e sua tropa e de outro Lula. O candidato do campo progressista, queiram ou não queiram os ciristas, será o sapo barbudo.
E quem imaginar que ele facilita a vida de Bolsonaro para uma vitória fácil num segundo turno não conhece a história do Brasil, e nem tem ideia do que a memória de um momento mágico na vida do povo pode fazer com o voto. Os 87% de ótimo e bom de Lula em 2010 entrarão em campo junto com ele nesta sua volta triunfal para a disputa presidencial.
Será um Lula carregado de ainda mais simbolismo. Um Lula amadurecido pelas desgraças que sofreu e um Lula que não será candidato de si mesmo, mas buscará trazer para o seu projeto o mais amplo espectro da política.
Lula vai esmagar Bolsonaro no Nordeste, vai ganhar dele também no Norte, onde o apagão no Amapá e a tragédia de Manaus vão ser lembrados, e eu apostaria que Lula vai derrotar Bolsonaro em Minas e também no Rio de Janeiro, onde poderia fazer uma frente que iria de PSOL a Eduardo Paes. Essas vitórias seriam suficientes para tirar a diferença de votos que Bolsonaro pode ter a favor no Sul, no Centro-Oeste e em São Paulo, especialmente.
Aliás, mesmo em São Paulo, a eleição na capital e na grande São Paulo não seriam barbada para Bolsonaro. Porque o desemprego alto e a queda na qualidade de vida desses cidadãos metropolitanos serão uma realidade que vai fazer muita gente lembrar dos tempos de Lula.
Uma parte significativa do eleitorado nacional se vê em Lula, entende sua saga como sendo um pouco a dele e, ao ter a dimensão de que ele foi injustiçado neste processo todo, vai reconstruir seus laços afetivos com ele. Evidente que isso acontecerá mais nas classes populares. Mas mesmo na classe média trabalhadora haverá quem vai preferir engolir o sapo barbudo do que votar no genocida.
Hoje é o dia 1 das eleições presidenciais de 2022. O dia das mulheres, que enfrentaram corajosamente Bolsonaro em 2018 com o #elenão, abre a avenida para a possível volta de Lula ao planalto.