O Carrefour é culpado pela morte de João Alberto Silveira Freitas na sua unidade em Porto Alegre.
O Carrefour é culpado porque não é a primeira vez que pessoas são agredidas de maneira violenta nas suas unidades.
O Carrefour é culpado porque em 14 de agosto deste ano um promotor de vendas morreu enquanto trabalhava numa de suas unidades em Recife. E o corpo deste trabalhador foi coberto com guarda-sóis e cercado por caixas de papelão pra que a loja não fechasse.
O Carrefour é culpado porque em outubro de 2018 Luís Carlos Gomes, um negro, foi agredido na unidade de São Bernardo porque abriu uma lata de cerveja dentro da loja. Gomes disse que pagaria pelo item, mesmo assim foi espancado pelo gerente da unidade e por um segurança. Deficiente físico, Gomes teve múltiplas fraturas e, como sequela de uma cirurgia, ficou com uma perna mais curta que a outra.
O Carrefour é culpado porque, em dezembro de 2018, um cão que estava no estacionamento de uma das lojas da empresa, em Osasco, morreu após ser espancado por um funcionário.
O Carrefour é culpado porque a segurança de suas unidades é violenta há tempos e ele mantém empresas terceirizadas que contratam policiais milicianos.
O Carrefour é culpado porque seus acionistas viram tudo isso acontecer em um plano sequência e não mudaram a forma de contratação das empresas terceirizadas para realizar a segurança de seus estabelecimentos. E sequer realizaram um trabalho de mudança de comportamento de seus funcionários em situações limites.
O Carrefour é culpado porque tentou mudar a versão do assassinato de João Alberto com a mídia-amiga. Tentou culpá-lo pelo fato de ter sido assassinado dizendo que havia agredido uma mulher antes.
O Carrefour merece todos os boicotes. E eu nunca mais vou pisar numa de suas unidades.
Mas é preciso ir além do boicote a uma empresa. É preciso a partir deste episódio boicotar todas as lojas do país que trabalhem com empresas terceirizadas de segurança. Exigir que elas contratem, treinem e sejam responsáveis pela segurança de seus estabelecimentos.
Exigir que tenham cursos de direitos humanos e racismo oferecido a seus funcionários e que passem a ter certificados desses cursos em locais visíveis de seus estabelecimentos.
É preciso forçá-los a ter campanha contra o racismo, a homofobia, a misoginia etc. dentro de suas lojas. Usando espaços visíveis para que essas campanhas sejam realizadas.
É também é preciso buscar que assumam o compromisso de ajudar na mudança da legislação para que o combate a essas práticas contrárias aos direitos humanos sejam mais rígidas.
É preciso forçar que as associações de comércio aceitem ter cotas para contratação de negros em suas empresas.
Se a gente quer mudar a cultura do país é muito pouco apenas boicotar o Carrefour. Isso só fará mudar o capataz. Outros tomarão o lugar da empresa francesa.
Evidente que as medidas sugeridas não vão mudar o racismo estrutural no Brasil, mas podem ser um grande passo no sentido de levar o debate do tema a um outro patamar.
O Carrefour é o rabo do jacaré. O corpo deste problema é muito maior.
A cultura empresarial é absolutamente racista e essa é uma das pontas que mais contribui para que negros e negras sejam vítimas da violência.
Porque a defesa do patrimônio é que organiza milicianos vinculados às estruturas de segurança pública no Brasil inteiro. São esses esquemas que perseguem as pessoas pela cor.
É preciso mirar neles.