Uma matéria “isenta” e com base “em estudo” de A Pública e a história do diabo que mora nos detalhes

O que mais chama à atenção no “estudo” é que ele parte do princípio que as “páginas da imprensa tradicional costumam adotar um tom mais neutro”.

Escrito en BLOGS el
Hoje recebi de um amigo um link de matéria de A Pública cujo título é: “Jovens se afastam de páginas engajadas e interagem com imprensa tradicional, revela estudo”. Ela está linkada, como deve ser quando se faz jornalismo digital com seriedade. Infelizmente preciso registrar que não achei o link do estudo na reportagem. E sequer a metodologia utilizada nele. Apenas frases soltas tratam disso. A primeira, é quase uma declaração de um não-estudo: “Um levantamento inédito com base em interações entre 1.822 perfis de Facebook e páginas de notícias revelou que há diferenças significativas entre os leitores de páginas engajadas, que lideram a polarização do debate político, e páginas da imprensa tradicional, que costumam adotar um tom mais neutro nas reportagens.” Quem conhece um pouco de estudos de rede sabe dos imensos riscos de estudar 1.822 perfis e estabelecer conclusões. Essa conta não fecha. Só a Revista Fórum tem 710 mil seguidores e o Facebook tem mais de 100 milhões deles no Brasil. Outro dado importante é que fazer o “estudo” de apenas uma plataforma de rede, o Facebook, não permite conclusões sobre a dinâmica de interações na rede, que é algo muito mais amplo. Mas o que mais chama à atenção no “estudo” é que ele parte do princípio que as “páginas da imprensa tradicional costumam adotar um tom mais neutro”. Seria muito interessante ler os estudos comparativos de postagens de Veja, Isto É e da Revista Fórum, por exemplo, que levaram os pesquisadores a essa conclusão. Porque em estudos, tudo precisa ter base científica. Não pode se dar de barato ou achar que é assim e sair divulgando. Há muitos itens que estou disposto a debater com os autores sobre este e outros estudos que vêm sendo publicados. Deixo este desafio aqui. E não falo com base em “acho que”, mas porque gosto de tema e o investiguei por quatro anos num doutorado recentemente defendido sobre a história do jornalismo digital no Brasil  (1995 a 2017). Acho que estes estudos estão servindo a um ataque seletivo à mídia livre, buscando igualar profissionais com larga experiência jornalística a páginas desqualificadas como Folha Política, Jornalivre, Partido Anti-PT e antiPT, que sequer têm jornalistas ou redação. Mas voltando ao estudo, como eu não tinha link pra checar os dados fui olhar os que posso acessar da página da Fórum no Facebook para verificar se a tese da reportagem de A Pública que destaca que os jovens se afastaram de páginas como a Fórum era real. Pois não é que não faz o menor sentido, pelo menos no caso da Fórum. Como se pode ver na imagem em destaque, a distribuição etária da Fórum é: de 13 a 17 anos, 1%; 18 a 24, 19%; 25 a 34 anos, 31%. Vamos dizer que você considera jovens aqueles que têm até 34 anos, então na Fórum eles são metade dos seguidores, 50%. O restante se distribui assim: de 35 a 44 anos, 24%; 45 a 54 anos, 13%; 55 a 64, 8% e com mais de 65 anos, 4%. Além disso, 55% dos nossos leitores são mulheres, 45%, homens. Essa distribuição ampla sempre foi a nossa força editorial. E talvez por isso mesmo com o boicote do Facebook, talvez até com base em “estudos” como esse que nos igualam à páginas fake news de direita, a Fórum continue tendo tantos leitores. Hoje, Fórum está na posição 156 do Alexa entre os sites mais acessados no Brasil, incluindo sexo, google, facebook, yahoo, bancos, mercado livre e o escambau. A IstoÉ, que é grande imprensa, segundo o estudo, está em 718. E A Pública, em 10.298. Importante destacar que Fórum nunca recebeu um centavo de financiamento internacional. E não aceita receber. E que durante o governo Lula e Dilma (podem checar nas matérias do Fernando Rodrigues) foi o CPM mais barato da mídia digital brasileira, cobrando menos que o UOL por cada view. Mas a matéria diz que os jovens se afastaram dos sites engajados no seu título. Só se afasta quem esteve junto. E o estudo que não tem link parece não ter histórico. Com que base então a reportagem usa o verbo afastar? Esse afastamento tem relação com que momento? Ou foi sempre assim? E se foi sempre assim qual é o afastamento? Importante registrar também que a matéria usa um gráfico de um instituto (tchantchantchantchan) internacional pra explicar o que é fake news. E tudo vira fake news. Até sátira ou paródia. O Sensacionalista é fake news, por este critério. E o José Simão então nem se fale. Evidente que isso não foi feito à toa. Há interesses mais graúdos por trás disso. Repórter que sou converso com muita gente que conversa, inclusive, com o Jorge Paulo Lehamnn, um dos homens mais ricos do mundo e mais rico do Brasil, e que comprou o site Nova Escola, parceiro de eventos que A Pública organiza, e financiador oculto de outros vários sites. Ele tem afirmado em seus encontros que o Brasil tem que sair da “polarização”. Exatamente, usa o termo polarização. E diz que para isso tem que acabar com os extremos e consolidar dois campos fortes de centro-esquerda e centro-direita. Dois “campos confiáveis, como nos EUA”. Ou seja, se a moeda cair de um lado ou do outro nada muda muito. Ou dá Republicanos ou Democratas. É por isso que importa tanto igualar a mídia progressista a páginas desqualificadas de direita. Ao invés de dizer que este campo sequer dialoga com aquele e tem com a mídia tradicional o seu verdadeiro confronto de narrativas. Enfim, é um longo debate. Quero fazê-lo com afeto, porque tem gente que tenho carinho que me parece estar comprando gato por lebre, mas não vou mais deixar de fazê-lo com rigor. Quando a gente for fazer matéria sobre estudo, o mínimo que o bom jornalismo exige é disponibilizar os dados e a metodologia do mesmo. E nem vou dizer que se não fizer isso é fake news. Porque sei que este termo está sendo usado com fins políticos. Mas não é bom jornalismo. PS: Dei aulas em algumas universidades, como a Cásper Líbero e a ECA-USP, mais recentemente. E sei que às vezes estudantes ficam chateados com críticas a trabalhos por eles realizados. Nada contra os estudantes da ESPM-RJ. Mas gostaria muito de que os dados fossem abertos. Porque quando eles são fechados, corre-se o risco de torná-los instrumento de luta política.