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Entre os jornalistas, o SBT já vem sendo chamado de Sistema Bolsonaro de Televisão, tamanha a desfaçatez com a qual a emissora de Silvio Santos aderiu ao novo governo. Entre outras bizarrices, resgatou o programa Semana com o Presidente e o slogan Brasil, Ame-o ou Deixe-o. Ambos, produtos da ditadura militar.
Mas não foi só isso que o SBT fez para se tornar mais amigo do novo rei do que outros grupos de comunicação. Também foi se livrando de jornalistas mais sérios e contratando aqueles que fazem qualquer coisa para “subir na vida”.
A entrevista de ontem com Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, foi o encontro desses projetos. O dos interesses do dono do veículo, do governo que vai assumir e de uma profissional que tem feito qualquer coisa para aparecer, mesmo que seja jogar todos os fundamentos básicos do jornalismo no lixo.
Tão bizarras quanto as respostas de Queiroz, foram as perguntas e as não-perguntas da repórter Débora Bergamasco.
A quem interessar possa, a moça foi a autora da capa contra Dilma Rousseff na Isto É em que Dilma é apresentada como tendo surtos de descontrole e quebrando móveis no Planalto. Uma capa absurdamente machista e mais do que isso, feita só com base no “ouvi dizer”.
Bergamasco também foi a autora da capa da delação de Delcídio, que escondia tudo o que havia contra Aécio Neves no depoimento. E que, segundo colegas de redação da IstoÉ com os quais o blogue conversou à época, foi obtido via Aécio, que, inclusive, estava com a revista em mãos numa reunião com líderes do Congresso antes mesmo que ela houvesse chegado às bancas.
Não é incomum este tipo de trajetória de jornalistas que fazem qualquer coisa para ascender profissionalmente. Bergamasco é só mais uma entre tantos.
Ontem a entrevista já começa num jogo de cena sobre a doença do entrevistado. Ele fala que está defecando sangue e a jornalista pede permissão a ele para voltar ao assunto mais tarde. Ah, tá certo, quer dizer que alguém que está fugindo de depoimentos e é acusado de participar de um esquema de corrupção envolvendo o futuro presidente da República te insinua estar com câncer, você pede autorização para tratar do assunto com ele depois? É mais fácil acreditar nas respostas do Queiroz.
A entrevista segue com perguntas dóceis e sem qualquer contestação. O entrevistado diz que comprava carros de segurados para vender e que era bom de negócios. A jornalista não pergunta quantos carros ele comprou e vendeu e se tem esses registros, afinal carros são adquiridos com documentos de compra e venda. E não com pedaços de papel no bar da esquina. Principalmente de seguradoras.
A jornalista pergunta o nome do médico que atendeu o entrevistado quando ficou internado, ele diz se lembrar só do primeiro nome. Ela não insiste em saber mais nada. Nem perguntar quem o apresentou ou quais as referências do tal doutor. Ele fala que ficou num hospital. Ela pergunta qual, mas quase como um deslize. Ele silencia e diz que depois revelará. Ela fala tá e segue o jogo.
Outra pergunta inocente, que qualquer cidadão que não tivesse feito jornalismo faria, se os 1,2 milhão que circularam na conta dele são de compra e venda de carros, por que eram depositados por assessores da ALERJ e retirados do banco sempre em quantias menores do que 5 mil reais. Às vezes em três agências diferentes no mesmo dia.
E mais básico ainda, por que eram depositados em dias próximos aos pagamentos desses servidores.
Em relação à família do Queiroz, a entrevistadora deixou barato a história d a filha que é personal treinner, mas que trabalhava na “área de mídia” do gabinete, segundo o entrevistado. Nem um “como assim” escapou da boca de Bergamasco.
- Como assim uma pessoa que é formada em educação física é a responsável pela área de mídia do gabinete de um deputado?
Talvez até num descuido essa pergunta escaparia, tamanha a desfaçatez da desculpa.
Evidente que o que se deu ontem com Fabricio Queiroz não foi uma entrevista. Foi um encontro negociado entre o Sistema Bolsonaro de Televisão e o futuro presidente da República para tentar colocar panos quentes no assunto que está queimando a imagem do recém eleito. E Silvio Santos escolheu a nova imagem do jornalismo da casa para fazer o serviço ao estilo que ela fazia na Isto É.
Mas a despeito de tudo isso, a entrevista é reveladora de como a situação de Bolsonaro e sua tropa tende a se complicar se essa investigação avançar. Queiroz é um limítrofe. Uma pessoa que não consegue articular três frases sem cometer erros de português e de raciocínio. Certamente tem outras habilidades ou não ganharia 23 mil por mês e além disso empregaria toda a família em diferentes gabinetes dos Bolsonaros. Mas essas habilidades não resistem a um interrogatório bem feito e a uma apuração dos fatos com documentos.
As desculpas que ele escolheu são tão simplórias que qualquer ida a um cartório local basta para desmontá-las.
O fato é que a cada dia que passa a saga de Bolsonaro fica mais parecida com a de Fernando Collor. Até a camiseta usada por sua esposa Michelle provocando Lula e seus eleitores remetem a isso. Collor era mestre em usar camisetas. Uma que carregava a frase “o tempo é o senhor da razão”, nunca me saiu da memória. O tempo é o senhor da razão e essa suposta entrevista será tratada como o que foi quando a verdade vier à tona. Como uma farsa.