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Desde a redemocratização talvez esta seja a eleição mais difícil para o campo progressista. Até porque, nas primeiras disputas democráticas pós queda do regime militar todos que se candidatavam, mesmo os mais conservadores, se apresentavam como pessoas de esquerda. Até Paulo Maluf tinha vergonha de se assumir como alguém de direita, a despeito de defender rota na rua e bandido na cadeia.
Naqueles tempos, em 85, Fernando Henrique Cardoso perdeu a eleição para prefeito de São Paulo e o PT foi responsabilizado por muitos por dividir o campo progressista. Sim, FHC se apresentava como alguém que estava à esquerda no espectro político.
O candidato do PT era Suplicy, que teve 19,75% dos votos. A candidata a vice dele era uma paraibana que havia se elegido vereadora em São Paulo em 1982, Luiza Erundina.
Suplicy e Erundina não retiraram a candidatura e quase 20% da cidade votou neles. Foi uma campanha de afirmação de um partido e de um campo político. Porque o PMDB de FHC e de tantos outros ainda mais conservadores, não era de fato uma opção política.
Aquela insistência em manter a candidatura de Suplicy foi fundamental para que Erundina viesse a ser candidata com chances em 88, depois de ter disputado e ganhado uma prévia no partido onde derrotou os segmentos ligados à igreja e a boa parte da então articulação que apoiou Plínio de Arruda Sampaio.
Recordo-me que Erundina ganhou a disputa, entre outros motivos, porque defendia conselhos deliberativos na cidade. E Plínio, mais conservador, considerava que eles deveriam ser consultivos. Como prefeita, Erundina não conseguiu implantar nem a sua ideia mais utópica, nem a de Plínio.
Não porque Erundina tivesse mudado no poder da cidade, mas porque a vida de um governante é mais dura do que parece. E essa paraibana de luta sabe bem disso. Talvez, mais do Marta e do que Haddad, ela tenha sido a prefeita que mais foi vítima de preconceito e de boicotes.
Mas não é disso que estamos tratando aqui, mas de voto útil. Voltando a 1988, poucos devem se lembrar, mas o PDT tinha um candidato que ainda hoje está na ativa e participa do Jornal da Cultura como comentarista, o ex-deputado Airton Soares. E o PSDB, que nascia, um economista chamado José Serra, que os leitores devem conhecer.
Em dado momento da campanha João Leiva, candidato de Quércia, do PMDB, e Maluf, passaram a se tornar favoritos para vencer a eleição que era disputada em um único turno. A campanha de Erundina passou então a fazer sinais para o campo progressista de que ela era a única que poderia derrotar Maluf. E Soares, num gesto de imensa nobreza, retirou sua candidatura e declarou apoio a então candidata do PT.
Sempre analisei aquele gesto como fundamental pra que Erundina decolasse, a despeito de Soares ter algo em torno de 1% dos votos naquele momento. Aquilo acabou desidratando Serra e tirando votos de Leiva, porque o PMDB daqueles tempos ainda ficava com parte dos votos de esquerda. Todos foram para Erundina, o que não aconteceu na sua sucessão, quando Maluf venceu Suplicy.
Vejam bem, Maluf venceu Suplicy entre outras coisas porque em 92 o PSDB já estava mais para lá do que pra cá e fez de conta que não havia diferença entre um e outro. Ao contrário, setores do partido participaram de uma articulação para soltar um manifesto de intelectuais a favor do voto anti-PT e anti-Suplicy. Ou seja, pró-Maluf.
Não é necessário explicar aqui o quanto São Paulo andou pra trás nos anos de Maluf e Pita. Mas o que isso tem a ver com o voto útil?
O voto útil não deve ser algo pra todas as horas e muito menos uma chantagem. Ele deve ser parte de uma análise política daqueles que se colocam num campo e que o consideram mais amplo do que o seu umbigo.
No caso, umbigo como metáfora de todas as nossas convicções. Ou seja, não costuma ser possível negociar algo com alguém cujos princípios são completamente adversos aos nossos, mas deve ser possível dialogar com setores que não concordam com tudo que pensamos. Mas que em boa medida tem a nossa agenda de lutas.
O PT e o PCdoB, por exemplo, tem errado muito ao ultrapassar a linha que deveria dividir os possíveis aliados. E, entre outras coisas, isso levou a uma diminuição do campo progressista. Por outro lado, partidos como o PSoL, tem errado pelo inverso. Eles têm preferido o isolamento. A candidatura Freixo, por exemplo, deveria ter feito todos os esforços no Rio para ter apoio de outros partidos. Seria importante não só para ganhar, mas também para governar.
O que está colocado agora, porém, é que não há tempo para se fazer grandes avaliações. É tempo de tomar decisões. E há muita gente debatendo nas redes se votar útil deve ou não ser considerado como uma decisão responsável do ponto de vista político.
Numa boa, se você vai deixar de votar numa pessoa para votar em alguém que considera uma tragédia, não faça isso. Mas se você poderia votar sem sofrer em alguém que seria muito melhor do que as outras opções e que se não o fizer pode levar dois direitopatas para o segundo turno, faça-o.
Na eleição de São Paulo, Erundina e Haddad são ótimas opções. No Rio, Freixo, Jandira e Molon. Em Porto Alegre, Luciana Genro e Raul Pont. Em Salvador, a Alice Portugal parece estar crescendo. Em Recife, temos o João Paulo com chances reais de vitória, e Louziane em Fortaleza. E lá me Belém, Edmilson Rodrigues. Pra não falar de Santos, onde a Carina Vitral começa a dar sinais de que pode fazer um segundo turno que era absolutamente improvável com o tucano Paulo Alexandre.
Enfim, há muitas opções progressistas Brasil afora que podem chegar ao segundo turno e garantir, entre outras coisas, um freio de arrumação no golpe.
É disso que se trata.
Se a direita tiver uma vitória maiúscula nesta eleição, o voto anti-progressista será utilizado para legitimar o golpe.
Independente de que partido você prefere, analise na sua cidade quem pode estar mais próximo daquilo que não seja parceiro do que pode fazer o Brasil voltar a década de 70.
Em política, como na vida, quando não é possível chegar onde se quer com o plano A, não pode ser problema algum acionar um plano B.
Seria maravilhoso se pensando nisso, alguns candidatos fizessem a reflexão e o gesto que Airton Soares fez em 88. E que de alguma forma foi fundamental para a eleição de uma das melhores prefeitas que São Paulo já teve, Luíza Erundina.