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O ministro da Cultura Juca Ferreira concedeu uma entrevista ontem para este blogue na sede da Funarte, em São Paulo. Na ocasião, revelou que iria vetar os recursos da Lei Rouanet para o livro de Cláudia Leitte, fez um balanço desta sua nova gestão à frente do MinC e revelou que quer ser candidato a prefeito de Salvador. E que sua inspiração seria Bernie Sanders. "Eu estou muito inspirado no candidato socialista dos Estados Unidos, o Sanders. A diferença é que ele dificilmente será eleito, mas eu vou fazer uma campanha para ser eleito. Eu vou instalar um pragmatismo ancorado na utopia. Restabelecer o sonho e a ideia de futuro e traçar os passos para levar Salvador adiante." Leia a entrevista a seguir.
Na última entrevista que deu para a Fórum, logo após assumir o ministério, o senhor fez um balanço bastante negativo do que encontrou. E agora, depois de um ano de queda de 4% no PIB e corte de receitas, qual o balanço que o senhor pode fazer deste um ano e quase dois meses de gestão?
Quando você vai subir uma ladeira, sai da marcha de velocidade e vai para a marcha de força, certo? Foi mais ou menos isso o que aconteceu. Eu tive que, primeiro, cuidar de recompor o ministério. Recompor as políticas culturais, a parte gerencial e a parte administrativa, já que o ministério estava bastante enfraquecido. O clima no ambiente de trabalho não era bom. Algumas áreas haviam criminalizado propositalmente pontos de cultura, cinematecas etc. Então, tive que recompor tudo isso e hoje já está feito, hoje o ministério já é saudável de novo. Quando a presidenta me convidou, ela disse taxativamente que estava me convidando para recuperar a grandeza de antes. Mas que queria que eu fosse adiante, e não fizesse a mesma coisa de sempre. Ela disse que o Brasil já é outro, avançamos em muitas coisas, outras não conseguimos avançar, mas as políticas culturais devem ser pensadas dentro deste novo contexto.
Pela primeira vez, estamos com uma formulação sólida na área de economia da cultura. Estamos, também, com um projeto pronto, que foi discutido com artistas, sobre direitos autorais na internet. Inclusive, seremos um dos países pioneiros nessa área. Estamos sendo acompanhados por países europeus e já temos o apoio de praticamente toda a América Latina e o Caribe. A Unesco vai levar essa discussão adiante, porque é uma questão internacional. Estamos também com o substituto da Lei Rouanet pronto, que foi aprovado na Câmara, que nós fizemos exaustivas análises e estamos assessorando tecnicamente para que, na sua aprovação no Senado, se dê conta de consertar o que for necessário.
Eu diria que, hoje, vivemos num ministério pós-crise. Estamos preparados para viver um novo ciclo de desenvolvimento. O grande problema nosso é orçamentário. Nós estamos presos por uma questão orçamentária que afetou todo o governo. Mas ter um mesmo índice de corte é uma visão burocrática. Em uma clínica de emagrecimento, você não vai usar o mesmo tratamento para todas as pessoas, não é? É a mesma coisa. Cada ministério tem que ter um tratamento especial. O Ministério da Cultura tem um déficit orçamentário já histórico. Nos últimos quatro anos houve um agravamento. Eu deixei o ministério com um orçamento bem maior do que eu encontrei na volta. Esse corte dificulta bastante. Nós estamos fazendo otimização de gastos, redução de gastos, buscando parcerias para desenvolver os projetos e estamos seguindo. O fato de termos recuperado o ministério deu uma certa estabilidade, mas não chegamos à grandeza que a gente queria porque não existe milagre e nem mágica.
E o que seria esse ministério pós-crise?
Eu percebo que a área cultural e as pessoas que acompanham o ministério há algum tempo gostariam que a gente fosse mais explícito, com um nível de performance pública maior do que temos. O primeiro aspecto da contenção é isso, a redução. O segundo é que nós refizemos o ministério. E ele hoje está preparado para cumprir a sua função plenamente. Basta um pouco de recurso. E nem precisa de muito. O Estado tem responsabilidades no desenvolvimento cultural do país. Mesmo considerando que 80% da cultura é feita ou pela iniciativa da sociedade ou pela iniciativa privada, o Estado tem um papel seja na regulação, seja no desenvolvimento de frentes que não são normalmente desenvolvidas por essas áreas, pelo popular e pela área empresarial. Essas políticas estão recompostas e já estamos em condições de envolver políticas de fortalecimento da economia da cultura.
O Brasil não pode basear um novo ciclo de desenvolvimento na exportação de commodities agrícolas e minerais. Este é um dos problemas que é pouco discutido no Brasil: a necessidade de diversificar a economia. Porque as commodities têm altos e baixos. Quando tem alta, o país fica feliz, quando tem baixa, cai em uma depressão independente de quem está governando. Houve uma queda vertiginosa das commodities, não há sinalização de um crescimento da demanda a curto prazo - e, portanto, de crescimento de preços - porque a China está encalacrada, a Europa está encalacrada, os Estados Unidos voltaram a cair. Estamos com uma crise econômica mundial instalada, então é preciso diversificar a economia, investir em áreas de alto valor agregado, e a área da economia da cultura é importante neste cenário.
Eu posso dar um pequeno exemplo: a economia do audiovisual e do cinema que hoje está se tornando superavitária. Quando nós entramos no Ministério da Cultura, em 2003, o Brasil estava fazendo seis filmes por ano. Hoje, está fazendo quase 150, fruto de uma política pública desenvolvida a partir do ministério Gil-Juca que eu dei continuidade sem interrupção. Nós construímos uma legislação que garante 1 bilhão e 300 milhões por ano para investimentos, fora os investimentos orçamentários, através da Condecine. Nós abrimos as TVs por assinatura e estamos fazendo a legislação para o Netflix brasileiro agora. E hoje, o que a atividade cinematográfica está rendendo é mais do que o investimento público, o que mostra que estamos no caminho certo. Mas ainda tem muita coisa para ser feita, como, por exemplo, conquistar mais público, ativar mais a economia, nos articular com mercados externos.
Nós precisamos liderar a construção de um mercado cultural latino-americano e ibero-americano e de língua portuguesa. O Brasil tem potencial para isso, mas não tem ainda perspectivas disso. Nós nunca vimos a importância econômica da cultura. Para qualquer enfrentamento que a gente venha a ter no século XXI, o Brasil vai precisar garantir um desenvolvimento cultural, sob o ponto de vista econômico e pela própria sustentação da democracia. Parte dos problemas que a gente está vivendo hoje são fruto de uma boçalidade estrutural, da ignorância. Sugerir que as pessoas façam abortos preventivos para evitar o surgimento de bandidos, por exemplo, é um típico pensamento de uma sociedade pobre culturalmente. Esse ataque aos direitos das mulheres também. Não há possibilidade de atingir uma educação de qualidade se as artes e a cultura não estão presentes na formação das novas gerações. Então, é preciso garantir o desenvolvimento cultural para que a gente possa garantir o aprofundamento da democracia no Brasil. Sob todos esses aspectos, podemos ver que seria importante investir mais na revitalização do ministério. Nós estamos presentes em alguns debates, nos mostramos dispostos, mas é natural que nossa participação não seja tão exuberante quanto em uma época fora de crise, com um orçamento melhor.
Há duas iniciativas que foram grandes marcas nas gestões do Gil e na sua anterior: os Pontos de Cultura, que o Papa Francisco, inclusive, vai adotar como filosofia, e ações de Cultura Digital. Me parecem que esses dois projetos ainda não estão acabados, no sentido de que há muito a ser feito no desenvolvimento dessas políticas. Como isso está sendo trabalhado hoje?
Na passagem do governo Lula para o governo Dilma, houve uma quebra do trabalho que era realizado no Ministério da Cultura. As duas ministras que me sucederam não tinham compromisso com aquela política pública que estava sendo concluída. A que me sucedeu era contra muitos aspectos da cultura digital, que ela via como ameaça à cultura brasileira, chegando a declarar que a internet ia destruir a cultura brasileira. Durante este período, houve uma tentativa de criminalização dos pontos de cultura e das cinematecas, também. Eu tive muito trabalho para recuperar, mas os pontos de cultura já estão totalmente reativados. Modificamos as regras, porque havia um erro que dizia que só seria considerado um ponto de cultura aquele que ganhasse o edital, quando, na realidade, todo o território da cultura brasileira que é fruto do protagonismo da própria sociedade deve ser ponto considerado ponto de cultura. São mais de 100 mil grupos culturais nas favelas, nas periferias, nas pequenas cidades, nas aldeias indígenas, nos assentamentos rurais. Nós estimulamos através de um pequeno recurso a ampliação desses serviços culturais que esses grupos prestam. Mas a diferença entre o número que conseguimos financiar e o que de fato existe é muito grande, então hoje a gente está considerando e fazendo a classificação de todo esse território cultural. Essa é uma mudança importante.Estamos fazendo a primeira Teia agora, e vamos reunir provavelmente em julho alguns desses grupos, porque não dá para chamar todos. Mas estamos planejando fazer algo por streaming também para evitar que as pessoas tenham que sair do seu território. Então, os pontos de cultura já retomaram as suas atividades, mas volto a dizer que se tivéssemos mais dinheiro, teria mais vigor nos pontos.
A cinemateca vai voltar a desenvolver todas as suas atividades de preservação de memória e de disponibilização deste acervo para a sociedade e com uma nova programação. Cuidamos de revitalizar o ministério depois de quatro anos de dificuldades. Em relação à cultura digital, quando a gente chegou no MinC era um pouco mais de 1 milhão de pessoas conectadas à internet. Isso, em 2003, 2004. Hoje, boa parte da vida social brasileira tem a intermediação da internet, seja através de computador, tablet ou celular. Isso mudou muito tudo o que a gente sabia sobre a internet. Hoje, o fenômeno é muito mais complexo. Estamos tentando evitar olhar só para o digital e ampliar nossa visão. O Brasil, hoje, é um dos países mais conectados do mundo. E a cultura está vivenciando um processo importante. Eu fui à Bahia, comi um acarajá delicioso e, quando fui pedir o cartão da baiana, ela me passou o e-mail e o Whatsapp. Tudo está conectado e a natureza das relações foi alterada.
Tem muita coisa boa, como os novos blogs que se propõem a ser contra hegemônicos, um sistema de informação diversificado que possibilita contrapor o discurso hegemônico que muitas vezes é restritivo, de invisibilização de processos. Estamos na fase da leitura disso e dos primeiros planos, como, por exemplo, a questão dos direitos autorais na internet que vai ter repercussão mundial inclusive na ONU. Fizemos, como fazemos com todas as políticas, junto com os artistas, principalmente os músicos, porque hoje a principal economia da música é a internet. E os shows. CD, segundo Marisa Monte, é só cartão de visitas. Eu sinto que, como entraram muitos players de operadoras e aplicativos, a participação do Ministério da cultura se dissolveu nesse ponto, mas vamos retomar. Nós demos uma sustentação para a aprovação do Marco Civil da internet. Como foi uma questão muito polêmica, nós fomos por dentro, sem fazer muito barulho, e apoiamos o Ministério da Justiça para montar a metodologia de incorporação do Marco Civil e chegamos a uma excelente legislação que agora está na fase de regulação da qual nós estamos participando ativamente por dentro do governo para apoiar a neutralidade da rede. Também estamos trabalhando para digitalizar completamente a relação do ministério com a sociedade. Estamos montando um gabinete digital, com sistemas que não deixem que esse gabinete fique isolado. Estamos querendo criar um sistema permanente de consulta e participação dos artistas, dos produtores culturais e da sociedade na execução das políticas culturais. Nós também vamos colocar para a discussão pública uma questão de recuperação digital de acervos da memória brasileira, muitos dos quais estão espalhados pelo Brasil afora.
Você é um homem da cultura mas é uma pessoa da política. E, como ministro, você está vivendo a crise política. Como tem sido passar por este período turbulento?
A diferença é gritante em relação ao governo Lula, no sentido do ambiente político. Eu acho que a reeleição da presidenta Dilma deflagrou um processo na oposição de tentar negar a vitória eleitoral. Usaram de todos os meios. Questionaram as urnas, depois questionaram o processo eleitoral dizendo que ela teria feito um estelionato. Ou seja, estão usando a mesma estratégia da oposição venezuelana. Quem é vitorioso na eleição tem o direito de governar, e quem perdeu a eleição tem que se preparar para a próxima. Mas houve essa organização golpista porque perceberam que Lula é imbatível eleitoralmente. É preciso destruí-lo antes para poder viver um novo processo eleitoral. Estamos vivendo um momento muito ruim em uma democracia jovem como a nossa, na qual foram cometidos erros, inclusive na família política que eu participo. Muitos erros, não são poucos. Mas há um investimento hoje de uma parte dos atores políticos para desconstruir essa democracia porque não veem muita perspectiva de ganharem eleitoralmente. Eu estou falando do PSDB e acho que a imprensa fala pouco disso, mas este partido sempre foi um avalista da democracia no Brasil. De repente, ele começou a se articular com o que havia de pior na sociedade brasileira em termos de pensamentos retrógrados, estimulando um raciocínio golpista dentro do parlamento e na sociedade. O PSDB estimulou os setores que defendem a volta dos militares, o racismo, a homofobia, fazendo surgir todo esse lodo político que a gente vê hoje, feito por um partido que antes dava estabilidade à democracia.
Em 2010 eles também fizeram isso, inclusive com aquele discurso antiaborto do Serra.
Ali eles estavam ensaiando. Agora é que eles mostraram as caras, porque não acreditam na possibilidade de saírem vitoriosos em um processo eleitoral dentro das condições de igualdade que a democracia propõe. Querem desconstruir Lula e querem desconstruir o PT, então é uma coisa antidemocrática. Esse ambiente que eu estou descrevendo tem o ponto principal dentro do Congresso, na figura do presidente da Câmara, uma pessoa absolutamente comprometida com esses valores golpistas e questionável sob todos os aspectos, éticos, políticos, todos. Isso criou um ambiente de corrosão da democracia. Tudo isso somado aos erros que foram cometidos e uma dificuldade do governo de dar sinais claros torna tudo mais difícil, comprometendo a base democrática. A área cultural está muito alinhada com isso. Eu voltei fruto de uma pressão generalizada de um governo que viu que o ministério estava se desmontando. De alguma maneira, essa confiança está sólida.
Quando eu digo que é um ministério pós-crise, eu quero dizer na dimensão ética, também. Ali é limpo, sempre fomos, desde 2003. A crise não entra no ministério; ela chega até a porta e para. Eu pensei muito nesses quatro anos, onde acertamos, onde erramos, onde podemos melhorar. Em São Paulo, foi uma tremenda experiência. Eu ainda não verbalizei em nenhum lugar, mas administrar a parte cultural de uma cidade como essa, para mim foi um pós doutorado. Eu tive a honra de ter contribuído, por exemplo, para a descriminalização do Carnaval em São Paulo, que não é pouca coisa. O Carnaval de rua de São Paulo vai se tornar o maior e o mehor carnaval do Brasil. Quando eu digo isso, os cariocas e os baianos reclamam, mas é uma questão de olhar para os erros deles e não cometê-los. Por exemplo: eu escrevi, manualmente, que era proibida qualquer privatização do espaço público e o uso de cordas para separar foliões, porque o Carnaval é uma festa de mistura, não tem sentido separar. E o Carnaval assim, livre, está se espalhando pelo Brasil inteiro. Fora isso, lidar com a periferia daqui, ver uma cidade dividida e que precisa ser unida pela cultura, tudo isso foi uma experiência tremenda. E tive a opção de criar uma nova geração de gestores. A maioria do Ministério da Cultura tem menos de 40 anos, e entre os dirigentes, muitos têm menos de 30 anos. Eles não viveram a ditadura, então o passado pesa pouco negativamente para eles. Mas eles são digitalizados, vivenciam o ministério todos os dias de forma crítica e escreveram dissertações de mestrado, teses de doutorados sobre ele. E nós estamos preparados para alavancar um novo ciclo de desenvolvimento cultural quando as condições políticas permitirem.
Falando em condições políticas, o seu nome tem sido cogitado para a prefeitura de Salvador. Como você tem visto isso? Você tem se articulado para a candidatura?
Ainda não estou articulando, mas fui procurado por dirigentes do PT na Bahia...
O Jacques Wagner?
Você é rápido, né? Sim, como o Jaques Wagner, dizendo que meu nome e o meu perfil correspondiam às pesquisas qualitativas que estavam sendo feitas na Bahia para pensar numa candidatura a prefeito de Salvador. E me foi sugerido que fosse conversar com o governador e os dirigentes estaduais. Eu fui e meu nome foi bem aceito, mas há outros candidatos. Eu acho que o meu nome está reverberando bem na sociedade porque desde que eu cheguei do exílio eu participei de todas as lutas da cidade, desde a especulação imobiliária até a verticalização da orla, que iria aumentar, no mínimo, dois graus a temperatura de Salvador, que é uma cidade que, como toda a cidade litorânea, vive da troca de ar do continente para o mar.
A luta contra a ocupação de certas áreas públicas, a luta contra o acarajé virar “bolinho de jesus”, fui secretário de meio ambiente da cidade e criei um código ambiental que depois os representantes da indústria imobiliária da área boicotaram. Mas tenho uma boa visibilidade local que foi aumentada pela gestão nacional. Então, meu nome está circulando com a minha autorização. Mas eu só iria com a certeza de que o ministério ficaria bem. Eu não contribuiria para a destruição de tudo o que foi feito. Eu só saio do Ministério da Cultura se houver uma possibilidade de continuidade. Senão, eu prefiro ficar, apesar de eu ter vontade de ser prefeito da minha cidade. De qualquer maneira eu dediquei 12 anos da minha vida para o MinC e não vou jogar tudo fora. Quando eu me filiei ao PT, em 2012, foi no dia de Iemanjá. Eu pedi para ela me iluminar. Foi quando eu voltei da Espanha. Eu era há 23 anos do PV e, no momento em que eu me filiei, eu disse a alguns dirigentes do partido: “não tomem isso como sangria desatada, mas a única vontade que eu tenho é ser prefeito de Salvador”. Agora eles lembraram disso.
Mas a disputa lá será um grande desafio, porque o Antônio Carlos Magalhães Neto parece ter um governo bem avaliado nas pesquisas.
Mas na Bahia, o público é generoso. Eles avaliam muito bem. E eu acho que ele não é imbatível. Acho que dificuldades existem na vida para a gente ter o prazer de superá-las.
Se você vier a ser prefeito de Salvador, o que você acha que precisa mudar? O que faria na cidade?
Precisamos devolver as cidades brasileiras aos seus habitantes, aos seus cidadãos. As cidades brasileiras cresceram demais. No último censo da década de 60, consta que 30% dos brasileiros viviam em algum tipo de cidade. Hoje, é o maior índice de urbanização do mundo, quase 90% dos brasileiros vivem em cidades. E essas cidades cresceram, incharam, superpovoaram, criaram uma região metropolitana com o poder público perdendo substância, perdendo capacidade de planejamento, se submetendo ao capital imobiliário, permitindo uma especulação imobiliária que distorceu completamente o crescimento do tecido urbano.
Então, precisamos recuperar a capacidade de planejamento da prefeitura. No caso de Salvador, é grave, porque Salvador não desfrutou muito da democracia, já que o Antônio Carlos Magalhães conseguiu manter por um tempo um regime autoritário, o que o Wagner quebrou, mas no plano municipal isso ainda não foi completamente quebrado. Então, é preciso usar os mecanismos da democracia para fortalecer a cidade, para criar uma economia saudável, para diminuir as desigualdades urbanas. O investimento na região de classe média é infinitamente maior do que o investimento onde a maioria da população mora. O miolo da cidade é completamente desordenado. Quem está fazendo intervenções estruturais é o governo do estado. O metrô até que enfim está saindo, avenidas. É preciso reestruturar essa cidade. Não adianta ficar fazendo embelezamento da Orla. Eu não critico o embelezamento, eu critico o autoritarismo com que ele foi feito. Hoje em dia, sabemos que comerciantes e moradores reclamam disso. Vai ser difícil superar isso. Estão desrespeitando a estética da cidade, uma estética antiga, barroca, que está sendo substituída por uma estética de shopping center, tendo Miami como referência.
Embelezar a Orla é bom, mas não é o suficiente. Vou dar um exemplo: o governo Lula, e depois a Dilma, abriram a universidade para as pessoas, com programas e cotas. Hoje há mais negros em universidades do que em toda a história do Brasil. Mas esse processo é insuficiente se a escola de base, que é a responsabilidade da prefeitura, não for de qualidade. Não é um cuidado com isso: as crianças já crescem desiguais, porque as escolas particulares da classe média têm um padrão razoável e as escolas públicas são absolutamente precárias e insuficientes. É preciso cuidar do todo. Se a prefeitura fosse um sólido, ela seria um poliedro. E todos os lados são importantes: a saúde, a educação, a mobilidade, todos. É preciso recompor a prefeitura em sua capacidade de planejar e de prestar esses serviços. O Antônio Carlos avô conseguiu fazer o autoritarismo perdurar, e acho que a minha candidatura teria como base a construção de uma Bahia democrática, com a participação de todos, com a recuperação do papel do poder publico. Eu estou muito inspirado no candidato socialista dos Estados Unidos, o Sanders. A diferença é que ele dificilmente será eleito, mas eu vou fazer uma campanha para ser eleito. Eu vou instalar um pragmatismo ancorado na utopia. Restabelecer o sonho e a ideia de futuro e traçar os passos para levar Salvador adiante.
Hoje em dia, existe uma disputa simbólica das ideias libertárias com o arcabouço fascista. Essa disputa foi muito difundida e incendiada nas redes sociais, principalmente. Com toda a sua história, e tendo morado fora do brasil, como você vê esse embate?
Acho que esse debate inflamado é uma tendência mundial. Há um certo cansaço da democracia representativa, é preciso revitalizá-la, e há uma crise econômica semelhante a 1929, não tão grave, mas muito mais profundo, já que a economia está muito mais globalizada. No plano das ideias, o que nós pensávamos que havíamos sepultado depois da Segunda Guerra Mundial, como racismo e a discriminação, está voltando. Então há uma luta de caráter mundial e que se expressa no Brasil com uma tendência, nos últimos dois anos, de uma guinada para a direita, e é preciso enfrentar isso. O fascismo já está presente na realidade brasileira, por exemplo, quando personagens ridículos passam a ser heróis de partes da população brasileira.