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A Folha de S. Paulo publicou ontem um editorial contundente contra o discurso fundamentalista adotado por Eduardo Cunha na presidência da Câmara Federal. O título, Submissão, que faz referência ao polêmico livro de Michel Houellebecq, é ao mesmo tempo uma citação direta ao comportamento adotado pela quase totalidade da mídia, pelos principais partidos políticos e por razoável espaço da intelectualidade.
Por comodidade, cálculos eleitorais de curto prazo ou em nome de uma suposta correlação de forças, os setores que sabem os riscos que um país corre quando se mistura religião e política ou quando se busca impedir a consolidação de direitos civis em nome de um certo deus, têm sido cúmplices de chantagistas que podem levar o país a interromper seu ciclo democrático e caminhar para um sistema teocrático.
O discurso é simples e inofensivo, a família precisa ser resgatada. Mas para que a família caminhe bem, Deus deve estar no centro. E em nome da Igreja e de Deus é preciso impor valores para o resto da sociedade.
Por receio de se confrontar com “as teses de deus” e com uma imensa população de fiéis que tem crescido a cada eleição, os setores progressistas têm a cada ano feito mais concessões.
O editorial da Folha, neste sentido, pode significar um freio de arrumação. Menos pelo que o jornal representa hoje do ponto de vista do alcance (poucas pessoas teriam lido esse texto se ele não tivesse circulado pela internet), mas muito mais porque ele certamente foi fruto de ampla reflexão antes de ser publicado. E essa reflexão tem como base uma posição essencialmente liberal. Ou seja, não se pode entregar os dedos para ficar com os anéis.
O liberal clássico sabe que o capitalismo que defende não tem espaço num Estado controlado pelo fundamentalismo religioso.
O liberal clássico tem tanto medo do fundamentalismo religioso quanto do socialismo de Estado.
O liberal clássico defende os direitos individuais, até porque é isso que lhe dá autoridade para defender o liberalismo na economia.
E ele sabe que quando as coisas são feitas em nome de deus, o capital corre risco.
Por isso o liberal clássico dos EUA combate o Tea Party. E o liberal clássico da França não se rende ao Le Pen.
Não há um só país no mundo onde Igreja e Estado se misturem que o capitalismo seja avançado.
E por isso o liberal clássico brasileiro pode ter percebido de é deveras arriscado se aliar a essas teses esdrúxulas de que há um golpe comunista em marcha no país e que por isso para combatê-lo vale até aceitar a tese do controle do Estado por deus.
Em nome de deus, não.
Não se pode aceitar sob hipótese alguma que a maioridade penal seja discutida em nome da família, da igreja e de deus.
Não se pode aceitar sob hipótese alguma que os direitos LGBTs sejam discutidos em nome da família, da igreja e de deus.
Não se pode aceitar sob hipótese alguma que o Congresso seja tratado como um templo em nome da família, da igreja e de deus.
Não se pode aceitar sob hipótese alguma que as relações internacionais do país e sua diplomacia sejam orientadas em nome da família, da igreja e de deus.
Não se pode aceitar sob hipótese alguma que partidos de inspiração democrática façam acordos espúrios com partidos fundamentalistas em busca de votos em nome da família, da igreja e de deus.
O rompimento com a submissão tem de ser articulado a partir de uma ação clara de separação Estado e Igreja.
Esse acordo deve ser amplo o suficiente para juntar desde Cláudio Lembo a Jean Willys; de Lula a FHC, da Folha à blogosfera suja; de representantes do empresariado à CUT.
A imposição de teses de caráter religioso podem amarrar o Brasil ao atraso por muito tempo. E isso não tem nada a ver com democracia.
A democracia vai nos levar naturalmente a troca de cadeiras. Quem hoje governo o estado de São Paulo, será derrotado um dia. E o mesmo acontecerá com o coalizão que está à frente do país.
Mas a teocracia nos levará ao pântano. Porque em nome de deus, vale tudo.
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