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Dirigida pelo jornalista e ex-ministro Franklin Martins estreia amanhã (25), às 18h30, no Discovery Civilization, a série ‘Presidentes Africanos’. A série discute as transformações do continente que, segundo ele, está vivendo um novo ciclo histórico, com crescimento econômico em um ambiente de democracia. Nesta entrevista exclusiva ao blogue, Franklin aborda sua experiência no continente em quase 18 meses de trabalho. Franklin entrevistou presidentes de 13 países africanos (África do Sul, Angola, Cabo Verde, República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Egito, Etiópia, Gana, Moçambique, Nigéria, Senegal, Tanzânia e Tunísia).
Conte-nos um pouco do que é a série Presidentes Africanos? Ela já está toda gravada?
A série está pronta. Gravada, editada e finalizada. São 15 programas de aproximadamente 50 minutos – um de abertura, outro de encerramento e treze focados nos países mais populosos e influentes dos continente ou em nações especialmente importantes para o Brasil: Nigéria, Etiópia, Egito, República Democrática do Congo, África do Sul, Tanzânia, Angola, Moçambique, Gana, Costa do Marfim, Senegal, Cabo Verde e Tunísia. Foram quase 18 meses de trabalho. De um modo geral, nossas equipes passaram duas ou três semana em cada país. Viajamos para o interior, conversamos com o povo, entrevistamos intelectuais, jornalistas, chefes religiosos, trabalhadores, homens e mulheres do povo, visitamos sítios relevantes, pesquisamos arquivos históricos. Em todos esses 13 países, conseguimos entrevistas exclusivas com os presidentes (na Etiópia, com o primeiro-ministro, pois o país é parlamentarista). Em alguns casos, os presidentes não davam entrevistas longas, exclusivas, há um bom tempo.
Os programas falam sobre política, economia, cultura, comportamento. Mostram um pouco da história de cada país, com imagens desde a época colonial até os nossos dias, passando pela luta pela independência. Acho que vamos contribuir para diminuir o brutal déficit de informação sobre a África no Brasil. É impressionante: somos o segundo país com a maior população afrodescendente do mundo, atrás apenas da Nigéria e, no entanto, nós, brasileiros, sabemos pouquíssimo sobre a África. Até o século XIX para cada colonizador europeu, havia no Brasil oito escravos, ou melhor, oito colonizadores africanos. Apesar disso, nossos jornais, revistas e televisões não têm correspondentes na África. Nas universidades e escolas, ensina-se pouco ou quase nada sobre nossas raízes africanas. Há muito mais preconceito do que informação. Felizmente, isso está mudando.
Estou muito satisfeito com o resultado do trabalho, que só foi possível porque a Cinevídeo, a produtora responsável pelo projeto, já possuía uma boa experiência na África, mantendo inclusive um escritório permanente em Maputo, capital de Moçambique. Além disso, ela reuniu um time de profissionais de primeira qualidade, entre eles os diretores Carlos Nascimbeni e Carlos Alberto Júnior, os diretores de fotografia Marco Romiti e Eduardo Poiano e o grupo de pesquisadores liderado pelo jornalista e escritor angolano João Melo.
Recentemente o economista Ladislau Dowbor publicou um artigo onde apontou outras possibilidades do continente africano. Você avalia que a África pode estar entrando num novo ciclo histórico?
Sem dúvida. A África está vivendo um novo ciclo histórico, deixando para trás não só as sequelas mais dramáticas do colonialismo e das disputas da Guerra Fria como as chamadas “décadas perdidas”, marcadas por golpes e contragolpes de estado, intervenções militares, ditaduras e, em alguns casos, sangrentas guerras civis. Hoje o continente respira um clima de consolidação da democracia e de paz crescente.
Em 2012, por exemplo, houve nada menos de 17 eleições ou referendos nacionais nos 54 países da África, com grande comparecimento popular. Os resultados de um modo geral foram aceitos pelos concorrentes e respaldados pela comunidade internacional. Houve exceções, infelizmente, como na Guiné Bissau e mais recentemente no Egito, onde os militares atropelaram a vontade expressa pelo povo nas urnas e impuseram regimes de força. Mas esses golpes, nascidos sob o estigma da ilegitimidade, dificilmente gerarão regimes políticos estáveis.
Por outro lado, 90% da África vive em paz. As guerras e conflitos armados estão concentrados em duas áreas do continente onde é débil a presença dos estados nacionais. Uma é o Sahel, região semiárida de transição entre o deserto do Sahara e as savanas e florestas mais ao Sul. Outra é a fronteira leste da República Democrática do Congo com Uganda, Ruanda e Burundi. Mas na maioria do continente o ambiente é de paz. A África tem hoje 1 bilhão e cem milhões de habitantes. Grosso modo, pode-se dizer que 1 bilhão de africanos vivem em paz e cerca de cem milhões em áreas afetadas ou ameaçadas por conflitos.
Consolidação da democracia e criação de um ambiente de paz – essa é fórmula que está permitindo que a economia da África, um continente de extraordinárias riquezas e potencialidades, esteja começando a bombar. Nos últimos 10 anos, os países africanos em seu conjunto cresceram em média 5% ao ano, um ritmo mais forte do que a Europa, os Estados Unidos e mesmo a América do Sul. Dos 15 países que mais cresceram no planeta na última década, dez estão na África. A cooperação regional está melhorando bastante, os esforços para a construção de uma logística de integração no continente começam a dar frutos e a chegada de novos parceiros internacionais, como a China, a Índia, o Brasil, a Turquia, a Indonésia, a Coréia do Sul e o Japão alavancam novos investimentos. Tudo somado, respira-se um clima novo no continente. Depois de décadas de afro-pessimismo, hoje o sentimento é de afro-otimismo ou mesmo de afro-entusiasmo.
O kapuscinky, jornalista polonês que cobriu boa parte das independencias no continente, costumava dizer que não se podia falar em África, mas de áfricas. Você avalia que essas diferenças se acentuaram nos últimos tempos ou ao contrário?
Kapuscinsky tem toda razão. E espero que a série “Presidentes Africanos” contribua para que os brasileiros entendam isso. Há a África do Norte, com forte influência mediterrânea, a África dos desertos, a África do Sahel, a África das savanas, muito semelhantes aos nossos cerrados, e a África das florestas e dos grandes rios. A mais profunda depressão do mundo está na África, que tem também montanhas altíssimas, como o Kilimanjaro, com quase 6 mil metros, eternamente coberto de neve.
O continente tem enorme diversidade cultural. Suas muitas culturas têm raízes em civilizações muito antigas, como as que se formaram no Egito do faraós, na Núbia, em Axum, na Etiópia, Nok, Gana, Mali, Songai, nas cidades-estados iorubás, nos reinos do Congo e do Zimbabué. Mas a África também recebeu e acolheu múltiplas influências externas: europeias, árabes, indianas, chinesas e polinésias – e também brasileiras, no período do tráfico negreiro. Também há grande diversidade religiosa, com a presença dos cultos tradicionais, do islamismo e do cristianismo.
Essa enorme diversidade, porém, convive com um forte sentimento de identidade africana, tanto que o continente logrou construir organizações respeitadas, como a União Africana. Nas duas últimas décadas, fortaleceram-se bastante organizações regionais de cooperação política e econômica, como a SADC, na África Austral, a ECOWAS ou CEDEAO, na África Ocidental, e a EAC, na África Oriental. Tais entidades estão jogando um papel importantíssimo no estreitamento dos laços entre os países das diferentes sub-regiões, dando escala às suas economias, construindo logísticas de integração e promovendo programas comuns de enfrentamentos dos problemas sociais.
O que mais te impressionou na realização deste documentário?
Aprendi muito, conheci pessoas e ambientes interessantíssimos, visitei lugares belíssimos, tive a oportunidade de conversar com líderes políticos que, em sua maioria, me pareceram antenados com seus povos e seu tempo. Foi uma experiência profissional e pessoal extraordinária. É difícil dizer o que me impressionou mais. Talvez o que mais me marcou não tenha sido um fato, uma pessoa ou um país específico, e sim uma sensação permanente que me acompanhou por toda parte na África: me sentia em casa, olhava para os africanos e neles via brasileiros, percorria as savanas e era como se me deparasse com os cerrados, entrava num mercado popular e reconhecia a mesma energia tumultuada das grandes feiras daqui. Risos iguais, gingas idênticas, a mesma espontaneidade. Em grande parte, o Brasil é o que é graças à África. E é preciso que o Brasil saiba disso. Muitos africanos têm essa percepção. Como me disse o economista Carlos Lopes, secretário-geral adjunto da ONU, durante uma entrevista em Adis Abeba: no imaginário dos africanos, o Brasil é como uma Atlântida, é a África perdida e reencontrada do outro lado do oceano.