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Na Globo nada acontece por acaso. Que dirá uma matéria no Fantástico de 18 minutos tratando de um tema tão polêmico quanto a legalização da maconha. Ontem uma reportagem altamente editorializada e favorável a esta tese foi ao ar. É um sinal claro de que a emissora decidiu que vai participar do bloco do legalize já.
O mais interessante é que a reportagem foi feita de encomenda para dialogar com o setor mais conservador. Não para reforçar as teses daqueles que já são históricos defensores da causa.
A reportagem começa com uma senhora de 60 anos que faz quitutes em sua casa para comercializar e que com o resultado do seu trabalho conseguiu sustentar duas filhas que estão estudando na universidade. Detalhe, os quitutes são feitos a base de maconha que ela, legalmente, planta no seu quintal.
Depois a reportagem vai para uma abordagem mais econômica. O texto do repórter é potente:
“É a primeira vez na história do capitalismo que você tem uma indústria com 100 bilhões de dólares, isso só nos EUA, sem que nenhuma marca atue nesta área. Isso não vai continuar assim.”
Ou seja, num primeiro momento buscou-se o diáologo com o público feminino mais conservador. Aquele que assiste aos programas tipo Ana Maria Braga. E depois o alvo foram os que ficam atentos a comentários da Mirian Leitão e que acham que a questão econômica passa primeiro pelo interesse do mercado e depois precisa ser também importante para os EUA.
Mas só isso não era suficiente. Era preciso também convencer aqueles que querem entender os males que a maconha pode gerar para aqueles que a utilizam. E aí a reportagem do Fantástico foi sensacional. Acompanhem a forma da abordagem.
“Cientistas já comprovaram a eficiência do THC, principio ativo da maconha, no tratamento de náuseas e vômitos provocados pela quimioterapia, para pacientes que sofrem de glaucoma e falta de apetite. Mas os médicos nos EUA se baseiam em mais de 20 mil pesquisas de menor repercussão para receitar maconha para até 190 enfermidades. Entre elas, estresse, insônia, ansiedade, cólicas menstruais, dores nas costas, convulsões e epilepsias.”
Ah, se eu soubesse antes que maconha é boa para dores nas costas, não estaria perdendo tanto tempo com RPG.
Até este momento eu só estou no quinto minuto dos dezoito da reportagem. Ali boa parte da audiência tradicional do dominical global já deveria estar ao menos com boa parte de suas convicções abaladas.
[caption id="attachment_13432" align="alignright" width="450"] Jovem protesta pela legalização na Marcha da Maconha de Belo Horizonte, em maio de 2012 (Foto: Casa Fora do Eixo Minas)[/caption]
Aí, o repórter foi atrás de um consultório médico na Califórnia para comprar maconha. Disse que tinha insônia e saiu com uma prescriação para comprar maconha medicinal. E saiu de lá com um tubinho com 1 grama da erva. Gastou 18 dólares para ter legalmente esta quantidade, afora o “investimento” anterior para poder participar do programa.
Como a reportagem era no Fantástico, o repórter fez um registro fundamental. “Nós jogamos no lixo a pequena quantidade de maconha comprada durante esta reportagem.”
A Globo conhece profundamente sua audiência. E decidiu tentar mudar a opinião dela a respeito de um tema que sempre foi tratado como tabu na emissora.
Isso pode contribuir em muito para que o país encare essa questão da legalização ao menos da maconha. É uma discussão que é de saúde pública, mas também de segurança pública. Os usuárias da canabis não podem ter que continuar expostos a práticas criminosas para usar um produto que sabidamente não é pior que outras drogas legalizadas, como tabaco e álcool.
Gostemos ou não da Globo, a emissora deu ontem uma contribuição importante para que esta questão saia debaixo do tapete do debate nacional. O governo e o Congresso poderiam pegar a deixa e ir em frente. O país só teria a ganhar com isso.