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No último domingo estive no Novo Hotel Jaraguá, no Centro de São Paulo, e fiz uma entrevista de aproximadamente uma hora com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Na ocasião, ele tratou de diversas questões relativas à área. A entrevista completa será publicada na edição de julho da Fórum. Como há uma parte quente, segue como aperitivo o trecho onde Padilha explica os motivos que o levaram a impedir a campanha “sou feliz sendo prostituta”.
Ministro, nos últimos dias o senhor enfrentou a polêmica da campanha de prevenção da AIDS para prostitutas. Houve a demissão do coordenador do programa de DST-Aids e já se sabe que há funcionários do ministério que pediram demissão em solidariedade a ele. Essa sua ação também foi mal recebida por vários movimentos, como o senhor explica isso?
Padilha: Em primeiro lugar assim, eu tenho muita responsabilidade para enfrentar essas polêmicas. Enquanto for ministro da Saúde do país a assinatura do Ministério da Saúde não vai entrar em um cartaz que diz, “Sou feliz sendo prostituta”. Porque não cabe ao Ministério da Saúde priorizar nas suas campanhas de saúde algo que é uma percepção individual. A frase não é nem dialogando com o fato de se existe prostituta feliz ou se existe prostituta triste. A frase é inversa, inclusive, fala que o motivo da felicidade é ser prostituta. Acho que há varias prostitutas que são felizes e várias outras prostitutas que são tristes. Como qualquer outra pessoa, prostituta fica triste e fica feliz. O que não cabe ao Ministério da Saúde é colocar no centro de uma campanha sua um tema que é de percepção individual e deixar de lado aquilo que é fundamental para esse público das prostitutas, que é a proteção.
Como ministro da Saúde sou cobrado, não só pelo setor social, sou cobrado pelo Tribunal de Contas da União também. Eles querem saber qual que é a mensagem de saúde que estou colocando em uma campanha que é publicitária. Sou cobrado por órgãos de controle. E, além disso, o Mistério da Saúde tem um rito de definição das suas publicidades para todas as áreas...
Essa publicidade foi aprovada pela Secom?
Padilha: Não e nem pelo ministério foi. Vou explicar como isso se deu. Eu segunda à noite em São Paulo, saindo da gravação de um programa que terminou entre oito e nove horas, quando recebi uma ligação do chefe da assessoria de comunicação do Ministério falando que um repórter do Estadão o procurou dizendo que botaram um cartaz, uma peça nas redes sociais, no site do programa de DST-AIDS que era polêmica. Veja, não era no site do Ministério da Saúde e as peças não tinham passado pela assessoria de comunicação do Ministério. Nem o coordenador da comunicação e nem eu estávamos ciente do que estava acontecendo. E então ele me falou que a principal peça tinha a frase “sou feliz sendo prostituta”. De imediato eu disse para que ele tirasse a peça do ar porque se ela não tinha sido discutida isso por si só já era um motivo para retirá-la do site. E pedi que ele agendasse uma reunião com o comitê de publicidade para a gente analisar a campanha, refazer as peças, ou seja, fazer aquilo que for necessário. Isso foi segunda-feira à noite. Naquela mesma noite falei com o diretor do departamento. E, num primeiro momento, ele disse que a responsabilidade era do departamento. Que eles haviam colocado as peças nas redes sociais.
No outro dia de manhã cedo, umas nove, dez da manhã, fui dar uma coletiva sobre a campanha da paralisia infantil, no lançamento da campanha da paralisia infantil. E na coletiva eu avisei que o material estava suspenso e que não tinha passado pela equipe de publicidade do ministério. E o Ministério não iria assinar uma campanha que fala: “Sou feliz sendo prostituta”. E aqui não tem nenhum conteúdo moral. Tem o fato de que não cabe ao Ministério da Saúde entrar na ala do que é percepção individual. E as prostitutas que não são felizes sendo prostitutas? Eu não vou dialogar com elas? Qual a mensagem que eu estou passando de proteção do corpo, de cuidado ao corpo. O recurso de publicidade do Ministério da Saúde é de utilidade pública. Toda mensagem do Ministério da Saúde tem que ter um comando ao cidadão ou de defesa do seu direito ou de onde ele busca aquele serviço. Não tem nenhuma peça no Ministério da Saúde que não saia sem uma mensagem como essa. Se não eu sou cobrado pelo Tribunal de Contas da União pelo recurso que é utilizado. Naquela peça, por exemplo, Não tinha nenhuma mensagem sobre o uso da camisinha... Por exemplo, esse é um dos públicos fundamentais para gente difundir o uso da camisinha feminina . A gente podia ter a imagem daquelas prostitutas femininas segurando a camisinha feminina, mas não tinha uma mensagem sobre isso. Depois disso, chamamos a direção do departamento e definiu-se pela exoneração. O motivo da exoneração foi fundamentalmente porque a direção do departamento assumiu a responsabilidade de colocar uma matéria com a assinatura do ministério sem que ela passasse pela publicidade. E, além disso, não concordava em retirá-la e não concordava em manter o fluxo, que é de todas as áreas do Ministério da Saúde, de que qualquer material de publicidade e de campanha passe pelo assessor de comunicação. Esse foi o motivo da demissão.
O que precisa ficar claro é que nós vamos continuar a política de trazer os públicos vulneráveis como protagonistas das nossas campanhas. Há tempos estamos fazendo isso. Fizemos materiais para prostitutas, travestis, usuários de drogas. Fizemos e vamos continuar fazendo. Vamos manter a estratégia de construir esses materiais ouvindo esses públicos. Mas tem um debate que nós precisamos fazer que é o seguinte, nós precisamos atingir o gay, a prostituta e o travesti, mas não só aquele que está organizado dentro do movimento. Porque esse público já têm espaço. Já tem espaço de construção da sua consciência, de cuidado ao corpo, da proteção. Tem rede de solidariedade para se proteger. Eu quero falar com a prostituta que não é organizada, que não está no movimento... Essa foi uma discussão técnica que nós fizemos sobre o eixo que o material da campanha tinha. O eixo do material era: “Menina sem vergonha, não tenha vergonha de usar camisinha”. A relação que a prostituta tem com quem a contrata, não é uma relação que ela não usa camisinha por ter vergonha, as vezes é uma relação de violência. Às vezes ela não usa camisinha porque aquela relação é desigual, da contratação e de violência. E é por isso que o eixo da campanha tem que ser prostituta protegida usa camisinha. Eu quero falar com a prostituta que não é organizada, que não está no movimento.
Existe sempre uma atenção na construção de qualquer material de publicidade. São ouvidas pessoas do movimento, especialistas da área, profissionais de saúde, gestores, técnicos... Isso acontece para qualquer tema do Ministério, até campanha de vacinação. O Zé gotinha tem que aparecer assim, tem que aparecer assado... Quando eu fiz questão de botar a marca do SUS no Zé Gotinha foi um debate enorme dentro do ministério. Todas as campanhas são construídas com muito debate. Pra finalizar, quero deixar claro que essa mudança na direção do departamento não mudará a política de buscar sempre um dialogo com os movimentos sociais e com os representantes da população vulnerável.