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Durante o dia de ontem, amigos me chamaram a atenção para um debate realizado em evento do site Youpix que contou com a presença do jornalista Pedro Dória (O Globo), Rodrigo de Almeida (IG), Alexandre Inagaki (blogueiro), Rafucko (video-maker) e do Carioca (Mídia Ninja). Fui assisti-lo ao final da noite, na verdade, na madrugada.
[caption id="attachment_13814" align="alignright" width="225"] Será que estão querendo calar essa voz?[/caption]
Por mais uma vez o discurso da mídia tradicional levou de lavada da garotada que está nas ruas com a mão na massa. Pedro Dória, que se arvorou em defensor da mídia tradicional, disse coisas como: “O que o jornalista faz é diferente do que vocês fazem”. E as pessoas que estão na rua têm “obsessão por calar uma voz”, referindo-se à Rede Globo de Televisão.
Se o amigo quiser assistir a parte mais quente do debate (segue abaixo) pode fazê-lo indo até o minuto 24 e seguindo até o 33. Neste trecho se concentra o principal da polêmica.
Esses dois pontos levantados por Dória são interessantes para a reflexão do que estamos vivendo. No primeiro, ele se refere ao exercício do jornalismo idealizado. Aquele em que o repórter faz o seu trabalho de forma independente, buscando ser fiel aos fatos, e oferece sem máculas o fruto do seu trabalho ao respectivo público.
Não é o caso, aqui, de revirar o debate acerca da imparcialidade. Dória, jornalista inteligente, não usou essa palavra. Num tempo não muito distante, jornalistas arvoravam-se imparciais. Hoje, já aprenderam algo sobre o mito da imparcialidade.
Mas esse jornalismo ideal (ou tradicional, como preferiu Dória) é o que de fato tentam fazer os veículos corporativos? Ou seria mais justo dizer que esses veículos se tornaram máquinas midiáticas a serviços de grupos econômicos?E que hoje têm negócios em diversas áreas e defendem seus interesses utilizando-se dos seus instrumentos de informação?
Cada vez mais pessoas vêm dando respostas a essas perguntas que contradizem a hipótese de Dória, e por isso a mídia tradicional tem perdido espaço no mundo inteiro. E por isso também e por conta dos novos adventos informacionais, está se consolidando uma outra esfera pública concorrente à mediada.
Yochai Benkler, num livro ainda não traduzido para o português (Weath of Networks – A riqueza da redes), chamou-a de esfera pública digitalmente interconectada. Podemos agregar a isso o fato de que ela também é colaborativa e informativa. E composta não só por midiativistas ou comunicadores eventuais (algo que Castells numa boa definição denomina de auto-comunicação de massa - mass self-comunication), mas também por outros veículos de comunicação. Que não são tradicionais e nem ligados a grupos econômicos.
O ecossistema comunicacional é hoje muito diferente da simplificação que Dória propõe: amadores x profissionais ou engajados x independentes.
A explosão de veículos de mídia traz novos componentes para se pensar este ambiente. No debate de ontem, por exemplo, Dória fez loas a um vídeo que foi produzido recentemente por um jornalista de O Globo, onde um policial militar plantava morteiros na bolsa de um manifestante.
A narrativa de Dória (assistam ao vídeo) é cheia de firulas. Poderíamos classificá-la no gênero de jornalismo dramático, algo que não é muito aconselhável para quem quer defende a racionalidade jornalística. Ele vai detalhando a história, buscando emoldurar os fatos com detalhes pouco importantes, para que no final você venha a descobrir que O Globo conseguiu flagrar um policial plantando um morteiro numa bolsa de um manifestante.
Acontece que no dia 13 de junho um garoto com aproximadamente 500 seguidores flagrou um PM de São Paulo quebrando o vidro de uma viatura. Este vídeo foi assistido por 2,5 milhões de pessoas e se tornou fundamental para desmascarar a ação policial e mobilizar muitos dos milhares que foram ao Largo da Batata no dia 17 protestar não contra o aumento da tarifa, mas também contra a repressão.
Ou seja, o mínimo a dizer é que O Globo chegou muitíssimo atrasado nessa história. Provavelmente ou porque não estava fazendo jornalismo (tradicional, profissional ou seja o que for) nas ruas ou porque esse tipo de pauta não interessava. Aliás, isso é bem comum no dito jornalismo tradicional. Há pautas que interessam e outras que são proibidas.
Por exemplo, quando será que um debate como o de ontem será transmitido pela TV Globo? Quando teremos um Profissão Repórter, um Globo Repórter ou um Fantástico com o tema da democratização das comunicações? Ou quando a Globo vai debater de forma ampla as falcatruas no futebol brasileiro? Ou a Globo como dona do futebol brasileiro não trata seu produto e seus parceiros, de um jeito, digamos, mais carinhoso?
Dória falou de calar vozes, com voz grave, dando ao seu discurso um toque de autoridade e seriedade dramáticos. Calar vozes em relação a Globo, Dória? Você de fato está falando sério? Existem exemplos às pencas do contrário, mas vamos a um recente. E que envolve um jornalista da emissora. Jorge Pontual, num debate da Globo News sobre o Mais Médicos, elogiou o sistema de saúde cubano. No portal Globo.com o vídeo foi publicado sem este trecho. A ação dos internautas foi o que fez a emissora voltar atrás. Isso é calar vozes. Isso é interditar o debate.
Mas para não parecer que daqui a gente só faz birra. Concordo com Dória num ponto. Ele defendeu, contrapondo-se a Rafucko, que vivemos numa democracia e que nosso sistema político é muito diferente de uma ditadura. Tem razão. Democracia é isso, algo imperfeito. Mas a nossa precisa ser mais democratizada. E há três setores que carecem de democratização urgente: o judiciário, a segurança pública e a comunicação. Boa parte dos nossos problemas tem a ver com os resquícios da ditadura que ainda prevalecem nessas áreas.
Dória que me desculpe, mas Rafucko matou a pau ontem. E se ele é o amador e o Dória o profissional...
Mas há algo que precisa ser registrado aqui. O belo abraço ao final do debate protagonizado por Rafucko e Pedro Dória. Avançamos quando depois de uma discussão quente as pessoas continuam se respeitando. Mas a Globo nunca gostou disso...