Chico Buarque é um misto de santo e super herói para muitos da minha geração, da do meu pai e da minha filha. Chico é aquele cara do qual muitos de nós adoraríamos ter como amigo de cerveja ou de pelada. Hábitos que ele ainda cultiva. Dizem que Chico também foi o sonhado genro de muitos da geração do meu avô. E sonhado príncipe de muitas e muitos da geração da minha mãe, das minhas amigas e até de amigas da minha filha. O cara é realmente fueda, sendo direto e reto.
Mas Chico não é santo e nem super herói. Alvissaras. E também não é um filho de uma @#@%* porque decidiu apoiar a cruzada artístico cultural mercadológica de Paula Lavigne, que há algum tempo se transfomou na gerente do banco dos músicos de uma geração querida. Aliás, Paula Lavigne, que show deprimente o seu, hein? Tentar constranger alguém, como você fez com Bárbara Gancia, revelando em público sua homossexualidade é de envergonhar escroques da ditadura militar. Alguns deles eram mais respeitosos ao tratar da orientação sexual alheia. E isso não tem nada a ver com censura, liberdade ou pastéis de feira.
Mas Paula Lavigne e seu deprimente show à parte, vale a pena entender Chico Buarque. Porque Chico vale a pena. O nosso principal músico da MPB cometeu duas derrapadas seguidas. Entrou num grupo que está mais preocupado em ganhar algum no final do mês e colocou sua história e reputação a serviço de interesses mesquinhos. Chico deve estar sinceramente preocupado em manter sua vida privada protegida. Muitos dos que estão neste grupo estão muito mais preocupados com uns tostões a mais para poder ficar mais tempo não compondo mais nada. Aliás, se há uma área da cultura em que produzir muito pouco não é sinônimo de ganhar pouco é a música. Isso não é para muitos. É para muito poucos. Mas é um fato.
A segunda derrapada de Chico foi a de dizer que não tinha sido entrevistado pelo biógrafo de Roberto Carlos e que acha mais é justo que as filhas de Garrincha cobrem uma baita grana para que o pai possa ser biografado, mesmo numa biografia não autorizada. A primeira parte já foi desmentida. O vídeo de Paulo César Araújo é inquestionável. Em relação ao livro de Garrincha, só cabe a reflexão.
Chico defende um contar histórico que se resume a autorizações? Se alguém não autorizar, que não se registre? É isso mesmo, Chico? Ou o que vale para livro de biografia não vale para o livro de história? Ou o que vale para a biografia não vale para matéria em jornal, site, TV, rádio? Qual é o limite entre privacidade e liberdade de expressão? É o autorizar e transformar em negócio o relato?
O Brasil deu um passo a frente por muito do que Chico e outros músicos fizeram na época da ditadura em relação à liberdade de expressão. E agora os têm na tricheira do passo atrás. Esse movimento criado por uma conciliação ainda nebulosa de interesses que levaram Roberto Carlos a ir ao Congresso lutar contra o Ecad precisa ser combatida, a despeito de Chico estar do lado de lá.
Ele está equivocado e seria muito interessante que reavaliasse sua posição. Chico se mostra humano ao cometer um erro atrás do outro neste episódio. Seria ainda mais humano se ponderasse, à luz do que pode estar ajudando a construir, sua posição.
A liberdade de expressão não pode ser refém de uma suposta luta por privacidade. E a história não pode ser apenas tratada como um negócio.
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