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O anúncio da morte de Ottoni Fernandez Júnior, que no segundo mandato de Lula foi responsável pela área de publicidade do governo, chegou-me quase ao mesmo tempo por dois caminhos distintos. Um torpedo do meu amigo Marco Piva, secretário-geral da Altercom, e um email do Joaquim Barroncas, também amigo e representante comercial da Fórum, em Brasília.
É daquelas notícias típicas de final de ano, pensei. Parece que ao relaxar, as pessoas acabam explodindo. Como se o corpo humano estivesse tão acostumado a tarefas intensas que não desse conta de um certo sossego. Ottoni tinha viajado para a Patagônia com a família e lá teve o infarto que encerrou seu ciclo entre nós. Finais de ano são pródigos em notícias assim.
Mas essa partida do Ottoni me calou por umas boas horas ontem. Ensaiei escrever um post antes de dormir, mas desisti. Achei melhor deixá-lo para as primeiras horas de hoje.
Ottoni não foi um grande amigo ou mesmo um amigo especial. Nunca fomos íntimos e nem ao menos trabalhamos juntos. Mas no fim do mandato de Lula, nos aproximamos por conta da Confecom e isso fez com que passássemos a nos respeitar e ter carinho um pelo outro. Nos últimos tempos eu já o tinha como amigo. Trocávamos torpedos, emails e telefonemas eventuais e quando nos encontrávamos o papo era sempre amistoso. Ottoni era um cara sério, de palavra e com espírito público de poucos.
Foi em meio à Confecom que vivemos dois episódios que nos aproximaram. O primeiro foi quando um grupo de pequenos empresários e empreendedores de comunicação que depois viriam a criar a Altercom ousou enfrentar os grandes grupos do setor de São Paulo na etapa estadual que iria eleger 80 delegados desse campo. Durante toda a construção daquela etapa as conversas foram duras, mas havia o entendimento de que nossa participação era legítima. Até que, de repente, as teles e o pessoal da radiodifusão decidiu que na convenção empresarial não haveria eleição proporcional de delegados. Quem vencesse a etapa levaria todos os representantes a Brasília.
Evidente que o jogo era desigual, os grandes grupos midiáticos levavam para as etapas da Confecom não os sócios dos negócios, mas empregados. Ou seja, eles tinham como inscrever muito mais gente do que nós. Era um golpe branco contra um processo legítimo de participação das pequenas empresas. Ao invés de reclamar com o bispo ou ligar pro Franklin ou para o Ottoni, que foi um dos principais articuladores daquela Confecom, decidimos após uma longa reunião na Assembléia Legislativa que se tivéssemos que melar a etapa paulista iríamos fazê-lo, mas que não aceitaríamos voltar pra casa bovinamente.
No dia da abertura do evento, um dos meus interlocutores entre os empresários dos grandes grupos me liga e avisa que havia uma proposta de conciliação, mas que ele não estava autorizado a fazê-lo. Que alguém do governo iria me ligar.
Em meia hora meu telefone toca. Era o Ottoni propondo 20 delegados dos 80 que seriam eleitos pelos empresários. Respondi-lhe que precisava de 30 minutos pra consultar ao menos as principais lideranças do nosso grupo, mas que iria defender a proposta, porque a achava razoável dentro do contexto geral. Fechamos o acordo e ele foi integralmente garantido por ele, que se tornou o seu fiador.
Já na Confecom, em Brasília, também vivemos um outro episódio envolvendo intensas negociações. Dessa vez, porém, com menos tempo ainda para articulações. Houve um conflito sobre a quantidade de propostas que seriam levadas dos grupos para o plenário final e a Conferência viveu um clima de fim de mundo. A sensação era de que ela acabara antes mesmo de começar. Conversando aqui e ali, percebi que havia espaço para uma proposta intermediária que permitisse que todos os setores (empresários, governo e sociedade civil) pudessem levar suas propostas para o plenário. Era o que veio a ser apelidado de solução 4, 4, 2.
Ou seja, em cada grupo empresários e sociedade civil poderiam escolher 4 propostas e o governo 2. Isso respeitava a composição do plenário, que era de 40% pra cada setor da sociedade e 20% para o governo.
Um dos primeiros com quem falei sobre a ideia foi o Ottoni, que garantiu que levaria os votos do governo para a proposta, mas que só faria isso se ela reunisse apoio representativo dos outros setores. Com essa carta na manga, conversei com o Miro e o Ceneviva, entre outros, e fiz a proposta ao plenário. Depois de uns 30 minutos, a alternativa tinha se consolidado e com o voto de quase todos os delegados dos empresários e do governo e ampla maioria da sociedade civil, foi aprovada.
Dali em diante, eu e o Ottoni passamos a nos falar mais. A última vez que nos encontramos foi no ato de artistas e intelectuais em apoio ao então candidato Fernando Haddad. Estava mais magro, reparei. Conversamos pouco e trocamos alguns torpedos enquanto o ato acontecia. Ele estava incomodado com a longa duração do evento.
Ottoni fará falta. Seu espírito público em defesa de causas democráticas na comunicação também fará falta. Fazer opções a partir da lógica mercadista é sempre mais fácil. E Ottoni não escolheu o caminho mais fácil quando esteve no governo. Contribuiu com a construção da TV Brasil, deu caráter mais técnico de fato à distribuição de verbas publicitárias, ampliando o número de mídias utilizadas pelo governo, ajudou a realizar a Confecom e fez um seminário histórico ao final do governo Lula discutindo a legislação do setor da comunicação a partir de um estudo da Unesco e de experiências internacionais.
Ottoni se despede com crédito.
Muitas outras pessoas devem ter vivenciado momentos interessantes com ele. Deveriam registrá-los ou aqui na caixa de comentários ou em outros cantos dessa imensa rede. Ottoni fará falta.
Despeço-me de 2012 com esta nota triste. Mas ao mesmo tempo falando de um cidadão brasileiro que sempre pela história que conheço se nutriu de esperança e utopia.