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Na minha época de movimento estudantil a gente se divertia com alguns grupos mais radicais que anunciavam a chegada da revolução.
A Convergência Socialista, que depois se tornou o que hoje é o PSTU, era um dos que difundia análises sobre “o crescente e inevitável processo revolucionário brasileiro em decorrência do desgaste do governo Sarney”.
Era muito novo, com apenas 18 anos, mas achava a análise mais para coisa de torcedor de arquibancada, do que algo sério realizado por alguém que de fato esteja jogando o jogo.
Quando alguns desses meus amigos mais radicais abordavam o tema, perguntava-lhes, ironizando, se já tinham desenterrado as armas que escondiam no quintal do vizinho e se por acaso haviam marcado a data da revolução. Afinal, queria saber antes para poder participar da tomada da torre de transmissão da TV Globo, na Avenida Paulista.
Essas conversas de botequim aconteciam na intensa São Bernardo do Campo, do meio para o final dos anos 80.
Era um tempo divertido, onde tudo virava protesto. A gente queria fazer política, precisava participar, queríamos pegar a história com a mão. Os diferentes pontos de vista faziam parte do processo democrático.
Aquilo tinha que ser vivido com acertos e erros para que pudéssemos construir um país, que, nos limites da democracia representativa, é muito melhor para a maioria do povo do que naquele período.
Caminhando hoje pela Praça Tahrir (Cairo) e conversando com diversos egípcios, foi inevitável fazer uma comparação da história que se vive aqui atualmente com o que sentíamos no Brasil pós-ditadura.
Ainda é cedo para dizer se o que aconteceu no Egito foi uma revolução. Eles derrubaram um ditador nas ruas, sem tiros e sem armas.
E isso é muito significativo. Mas o país ainda é governado por colaboradores próximos a Mubarak, que se reportam a uma junta militar.
E o povo ainda está um pouco sem saber para onde ir, para que lado as coisas vão caminhar. Quase todos sabem exatamente o que não querem, mas cada um tem uma porta de saída diferente para o futuro.
Por exemplo, muitos que foram a Praça Tahrir não querem pessoas do Partido Nacional Democrático, de Mubarak, no governo de transição. Mas ao mesmo tempo tem visões diferentes de como deveria ser conduzido esse período que antecederia um novo pleito no país.
Mas algo que me chamou a atenção nisso tudo é que o dia da revolução foi marcado e divulgado com antecedência, 25 de janeiro.
Hoje faz um mês que o povo egípcio viveu essa história inédita nos processos revolucionários.
Em geral, as sublevações são articuladas nos porões dos aparelhos políticos ou dos quartéis. E só poucos são avisados como devem proceder para tomar pontos estratégicos do Estado.
Algumas são inclusive poéticas, como a Revolução dos Cravos, que derrubou Salazar, em Portugal.
A senha de que os capitães deveriam tomar os quartéis foi a música Grândola, Vila Morena, de José Afonso, que tocou na Rádio Renascença:
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade,
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Quando ela foi tocada, serviu como senha de que tudo estava preparado e correndo conforme o previsto. Que os revolucionários deveriam agir.
Mas aqui no Egito não. Hoje faz um mês que a revolução foi anunciada com antecedência pela internet, principalmente pelo Facebook. E o povo foi às ruas, desarmado, com bandeiras do país e disse chega.
Mais do que isso. Disse que enquanto Mubarak não deixasse o governo não sairia da rua.
Durante 18 dias esse mesmo povo enfrentou sem armas um poderoso governo e sua polícia. Centenas morreram (fala-se em 402 pessoas) e o presidente todo-poderoso que estava há 30 anos no cargo não resistiu.
Hoje, conversando com um dos ativistas que participou ativamente da luta, primeiro pela internet e depois na rua, Ahmed Bahgat, 34 anos, formado em advocacia e que hoje trabalha com assessoria de comunicação para ONGs, ele me chamou a atenção exatamente para este fato. “Nunca imaginei que pudéssemos marcar a data da revolução, mas foi assim que fizemos aqui no Egito.”
Leia a matéria da repórter Adriana Delorenzo sobre o ato de hoje.