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Na entrevista que fiz com o sociólogo Mohamed Elagati, do Fórum Árabe por Alternativas (AFA), ele me disse algo ao mesmo tempo simples e forte. Quando perguntei por que os movimentos populares contra regimes autoritários da região estariam acontecendo todos num mesmo momento. Sua resposta: “Nós lemos os mesmos livros, falamos a mesma língua, temos os mesmos hábitos e vivemos há muitos anos experiências políticas muito parecidas, sob governos autoritários.” E acrescentou: “Esses momentos históricos nunca acontecem isoladamente.”
Em resumo, Kadafi não tem salvação. Nem outros ditadores corruptos dessa região. Eles podem até resistir por mais um período, mas ao fim serão varridos do mapa. Eles e seus métodos.
Do Egito, onde o vendaval de certa forma já passou, é possível sentir isso com clareza. O povo árabe está cansado de ser governado por déspotas que se comportam como bilionários mundo afora a custa da miséria da maioria da população.
Os índices de analfabetismo por aqui são aterradores. No Egito, 49% da população é analfabeta. No Marrocos o índice bate em 60%.
Os jovens, que como já disse num post anterior, representam mais do que a metade da população, não querem saber de viver em países onde não possam ter projetos de futuro e perspectiva de uma vida melhor.
Como no Senegal, ouvi de diferentes deles frases do tipo: a única esperança era se mudar daqui e tentar a vida em outro lugar, por isso decidimos lutar.
Mohmoud Abdo, 24 anos, que já foi policial e deixou a corporação, foi mais além. “Nosso sistema é profundamente corrupto, nossos líderes são corruptos e precisamos mudar isso”. Acrescentando: “Não podemos mais baixar a cabeça. Quando os ingleses dominaram o nosso país, não abaixamos a cabeça. Também não abaixamos a cabeça para os franceses. Não podíamos ficar de cabeça abaixada para os corruptos”.
Por mais que a ausência de democracia tenha contribuído para que muitos se organizassem, o que garantiu a massa nas ruas foi a força daquela frase batida utilizada para explicar a vitória, em 1992, de Bill Clinton contra George Bush: “É a economia estúpido!”
As pessoas querem emprego, aumento da renda, possibilidade de crédito para adquirir seu imóvel, condições financeiras para ter uma vida digna. E aí, de novo, em especial os jovens.
Para se ter uma idéia do pragmatismo de alguns, há quem diga que se Mubarak tivesse se comprometido com essas demandas e mudado seu governo, trocando alguns ministros em especial o primeiro ministro, não seria um problema deixá-lo terminar o mandato ou ter aceitado sua permanência até setembro, como ele chegou a tentar negociar.
Numa conversa que tivemos com quatro rapazes entre 20 e 25 anos, dois deles, Mohammed ABS Elwasser e Amr Fouad, aceitavam essa tese.
As pessoas que foram às ruas exigem com rapidez: emprego, educação, salário, saúde etc. A vida dos futuros governantes dessa região não será fácil. Eles terão que conviver com um povo que sentiu o gostinho da vitória da mobilização popular e terão de ser rápidos nas respostas às demandas sociais.
Acabou o ciclo das ditaduras dos marajás nesta parte do planeta. Quem está apostando em governos de caráter religioso vai se dar mal. As pessoas querem comida na mesa e um futuro melhor.
E parecem dispostas a ir às ruas quantas vezes for necessário para garantir isso. “Aqui morreram aproximadamente 300 pessoas na nossa revolução. Por isso não vamos aceitar mais governos para se eleger e ficar lá cinco ou seis anos sem falar com a gente. Quem for eleito vai ter de realizar o programa que tivermos acertado. Vamos ter que fazer balanços periódicos. Vai ter de ser governo do povo, fazendo as coisas que a gente precisa. Queremos um Egito para os egípcios”, afirmou Mohmoud Abdo.