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Estou em Dacar, no Senegal, para participar da edição dos 10 anos do Fórum Social Mundial. É um privilégio poder realizar mais uma cobertura jornalística de um evento que faz parte da minha história como profissional e militante da comunicação disso que se convencionou chamar de “outro mundo possível”.
Foi no FSM de 2001 que nasceu a Revista Fórum. Contei essa história algumas vezes, mas vou repeti-la. Era para ser uma única edição. Não havia a pretensão de torná-la um produto periódico. Mas o sucesso daquele número, lançado no começo de abril com um resumo dos acontecimentos e dos debates de Porto Alegre, foi tão grande, que decidimos, na editora Publisher Brasil, tocar um projeto de banca.
No dia 28 de agosto de 2001 lançamos a edição número 1, que circulou no mês de setembro. Eram tempos bicudos, de tucanato no poder e de um total silêncio midiático a respeito de tudo que se contrapunha ao pensamento único.
Fórum tinha 36 páginas, começava bimestral e em preto e branco. Aos poucos foi evoluindo para o que é hoje. Uma revista mensal, colorida e em média com 52 páginas.
A revista esteve presente em todos os FSMs e ainda cobriu muitas agendas específicas de Fórum setoriais, como o de Educação, por exemplo. Além de contribuir na construção de movimentos de comunicação, como o Fórum Mundial de Mídia Livre, que aconteceu em Belém, em 2009. E que vai ter desdobramentos também em Dacar, assunto que tratarei num próximo post.
Ou seja, a Fórum é parte do FSM, suas lutas, seus sonhos, suas conquistas e seus princípios. Ela foi construída a partir dessa história, mas também ajudou a construí-la.
E um dos movimentos no qual a revista sempre participou dentro do FSM foi o do combate à industria da comunicação e da cultura. Porque sempre identificamos esses segmentos como estratégicos para a difusão da agenda neoliberal.
E essa história começa ainda em 2001, em Porto Alegre. Quano no auditório da PUC-RS, um empolgado Richard Stalmann, explicaca para uma platéia ainda pouco informada sobre o tema o que era software livre e porque era fundamental se contrapor ao Copyright na indústria da informática.
Também recordo-me que naquela mesma quente Porto Alegre, numa pequena sala, aproximadamente 50 jornalistas e comunicadores discutiram como difundir a cultura do Copyleft a partir das nossas publicações.
Já há dez anos entendíamos que se tratava de uma maneira de democratizar a circulação e combater o pensamento único na mídia e na produção cultural.
Não à toa o termo era Copyleft, uma brincadeira com o Copyright. Um de esquerda (left) e outro de direita (right).
Não à toa desde o número zero a Revista Fórum traz no seu expediente o compromisso com a livre reprodução dos seus textos. Fórum é left desde o início. Mas com o tempo decidiu se tornar também commons, ou seja, entrar na sociedade do comum, do comunitário, do compartilhamento. Onde se entende que ninguém faz nada sozinho.
Que de alguma forma o que produzimos é fruto do que absorvemos, das interferências que sofremos, daquilo que trocamos.
A base filosófica do Commons é essa. Mas a licença não é só isso. Ela também permite impedir a reprodução para uso comercial do conteúdo disponibilizado. Seja foto, música, texto jornalístico, livro etc. Ou seja, o comum (commons) deve ser livre, mas não pode se tornar comercial sem que aquele que o registrou receba por isso.
É comum, por exemplo, que editoras de livros didáticos entrem em contato com a Fórum para publicar trechos de matérias ou mesmo fotos em livros de história e geografia.
Em geral, liberamos o conteúdo. Mas já houve casos em que preferimos não fazê-lo.
Com o Copyleft não tínhamos essa possibilidade. Por isso adotamos o licenciamento em Creative Commons na Fórum. Porque ele é legalmente mais abrangente.
Mas nos últimos dias, depois que entrei na polêmica sobre a decisão do MinC de retirar o CC do seu site, li muitos textos sobre o tema acusando aqueles que defendem o CC de fazer parte de um movimento pró-americanista e anti-cultura nacional.
Alguns desses textos tratavam o CC como uma ONG gringa que quer nos expropriar e que conta com uns brazucas malandros (como este blogueiro) para ajudá-la no seu esquema bandido.
Curioso, muito curioso. Um setor da burocracia cartorial e da indústria cultural, que ganha muito dinheiro com a propriedade intelectual e com esquemas mandrakes sem ter sua ação fiscalizada, quer tornar esse debate num Fla x Flu.
Pra se esconder no debate.
Para isso escala alguns artistas que querem ser respeitados e pagos pelo que fazem para se contrapor a um movimento que atua contra o cerceamento da difusão cultural no mundo inteiro e que tem no Brasil um dos seus mais belos cases.
É um falso embate.
Primeiro, porque os artistas escalados para o debate público não representam a massa dos criadores. Ao contrário, há muitos que consideram a atual legislação um horror e que estão desejosos de mudanças para que possam trabalhar ser tem que ser escravos de grupos de mídia e da indústria cultural. Para que não tenham que ficar pagando, por exemplo, jabá para ter sua música tocada numa rádio.
Segundo, porque os defensores do livre e do comum não são contra a criação e o movimento cultural. Muito, mas muito pelo contrário. Querem dar acesso aos bens culturais a uma enorme parcela da população que sempre foi excluída dessa possibilidade. Esse é o eixo do movimento.
A verdade é que esse é um jogo de grandes interesses e envolve grandes grupos midiáticos nacionais e também grandes corporações globais. Por exemplo, a Microsoft. Que joga do lado de lá e não do lado de cá, como estão tentando insinuar.
Para a empresa de Bill Gates interessa derrotar qualquer movimento relacionado à liberdade. Até porque não há quem atue na comunidade de software livre que não utilize o Creative Commons para licenciar sua criação.
De qualquer forma, a questão não é simples. Há detalhes que escapam aos que estão entrando neste debate agora. Por isso, creio, alguns têm assumido posições que são contraditórias com suas histórias políticas e de militância.
Aproveitei esse texto para também fazer uma lista com alguns esclarecimentos. Curiosamente ela fechou em 13 pontos. Sorte? Azar? Algo a ver com a necessidade de que mais dirigentes de um certo partido brasileiro assumam uma posição mais clara neste debate?
Bom, por fim, depois deste texto, me dedicarei exclusivamente a cobertura do FSM. Fico na África até o fim do mês, sendo que até o dia 12, cobrirei exclusivamente o Fórum.
Mas após o evento pretendo conhecer melhor a região e vou compartilhar pelo blog um pouco do que vier a aprender por aqui.
É a segunda vez que venho para África. Na primeira, estive no Quênia, África do Sul e Moçambique. Agora, estou no Senegal e pretendo ir ao menos ao Marrocos.
Se alguém tiver sugestão de matérias, de lugares que merecem ser conhecidos etc, aceito toques.
Aos esclarecimentos, em 13 pontos.
1) O Creative Commons não é uma lei e não tenta ser superior à legislação de nenhum país. O Creative Commons é um movimento global e independente de qualquer nação. Seu objetivo é facilitar o processo de licenciamento livre do pensamento.
2) O direito de autor é preservado na licença Creative Commons. Aquele que fez a obra não perde sua autoria se vier liberá-la em CC.
3) Há várias licenças Creative Commons. A mais utilizada é a que garante remuneração do autor quando há uso comercial da obra.
4) Se o artista, o escritor ou a revista, como a Fórum, não licencia sua obra em CC para que ela possa permitir a reprodução de sua obra por ONG, movimentos sociais ou veículos não-comerciais, terá que escrever um contrato de cessão de direitos e registrá-lo em cartório. Uma declaração de próprio punho não é suficiente para se sobrepor à Lei de Direito Autoral brasileira.
5) Se a pessoa copiar ou divulgar uma obra ou música sem autorização explícita do autor ou sem que ele a disponibilize em licenças como o Creative Commons está cometendo um crime pela legislação autoral brasileira.
6) As licenças de Creative Commons que utilizamos seguem a legislação brasileira e estão registradas conforme as leis brasileiras.
7) Quando o interessado usa uma obra licenciada por Creative Commons sabe o que pode e o que não pode fazer com ela e em que momentos deve entrar em contato com o autor.
8) Se a obra não estiver claramente licenciada em algo como o CC, para efeitos legais ela continua sob Copyright compulsoriamente.
9) A Lei de Direitos Autorais no Brasil é anacrônica. Por ela até os blocos de carnaval têm que recolher direito autoral para sair às ruas mesmo que não estejam cobrando um centavo dos foliões.
10) No Brasil a legislação de direitos autorais dificulta a circulação de bens culturais mesmo que produzidos por órgãos governamentais. Nos EUA, por exemplo, há uma lei específica que torna todos os trabalhos intelectuais produzidos pelos órgãos federais, incluindo suas Agências (NASA. CIA, EPA, etc) de domínio público.
11) Permitir reprodução e publicação não inclui direito de apropriação.
12) Os que defendem novas formas de licenciamento se preocupam tanto com o financiamento da cultura quanto com a garantia de que os criadores e artistas recebam pelo que produzem. Há debates no mundo inteiro sobre o tema.
13) Por fim, se o capitalismo não é a nossa opção de sistema, precisamos construir alternativas praticas para caminhar para um outro modelo. Neste novo modelo será impossível manter a propriedade privada nos termos atuais. E isso não diz respeito só aos grandes latifúndios ou à indústria farmacêutica, mas também diz às novas formas de pensar a propriedade intelectual e cultural.