É impressionante como alguns setores da mídia perderam completamente a vergonha e a cara-de-pau. Eram umas 12h30 quando cheguei à Praça da Sé para começar a cobertura do evento que mereceu durante 30 dias destaque em toda a mídia nacional. Naquele momento liguei para o editor executivo da Fórum, Glauco Faria, que trabalhou na atualização do blog na redação e lhe informei que os cansados eram aproximadamente uns 300. Atualizo agora a informação, ao final do ato creio que havia entre 1,2 mil e 1,5 mil pessoas. Uma boa parte que não tinha nada a ver com o movimento, mas que em pleno horário de almoço na Praça da Sé, vendo o locutor anunciar a presença de Hebe, Ivete Sangalo, Agnaldo Rayol, Osmar Santos etc., parou e ficou para ver o que ia acontecer. Lembrem-se, foi um ato rápido. O grande protesto foi entre 13h00 e 13h01, o tal 1 minuto de silêncio.
Mas, para minha surpresa, quando cheguei à redação e acessei o Universo On Line vejo que o portal do grupo Folha de S. Paulo, trabalha com a informação divulgada pelo presidente da OAB-SP. Veja o que D´Urso disse: “Somos 5 mil pessoas, gente em todos os cantos dessa praça. Gente espalhada pelos prédios, gente que nos apóia”. Para chegar aos 5 mil, o presidente da OAB-SP precisou contabilizar as pessoas que olhavam o que estava acontecendo a partir dos prédios, precisou contar os que estavam em todos os cantos da Praça da Sé.
Já o Uol não precisou de nada disso para chegar nas 5 mil pessoas. Apenas usou a CET do Kassab e a PM do Serra, além do método mais picareta que existe para construir imagens que dêem idéia de multidão. Deu destaque para algumas fotos com pequenos grupos e para uma ou outra com profundidade, mas com destaque para o primeiro plano. Se quiser conferir, vá lá. Olhe no álbum de fotos da manifestação. Agora, olha aqui a foto feita às 13h10 pelo jornalista Fredi Vasconcelos. Vejam a diferença dessa imagem para a que o Uol publica.
Com aquelas fotos, quem não foi fica impressionado. Quem não foi pensa em gente pulando indignada, vaiando com força. Uma das imagens, por exemplo, destaca um senhor de camisa azul e cabelos brancos com a mão na boca e um engravatado feliz apoiando a vaia do colega.
Outra foto, mostra uma senhora com óculos escuros e cara de choro e um manifestante com um cartaz anti-Lula. Dá idéia de emoção e revolta. Pois bem. Vamos ao que ocorreu então.
Uma manifestação sem pé nem cabeça – Foram poucas às vezes que fui a um ato tão sem pé e nem cabeça como a esse de hoje. Ele não tinha palavras de ordem, reivindicações, nada. Tinha 1 minuto de silêncio, Agnaldo Rayol cantando o hino nacional, vários famosos no palanque e um apresentador que deu o toque político (veja abaixo). Aliás, ele, pelo que apurei um advogado conhecido por JB, não cansou de repetir “que não era uma manifestação contra o governo. Não era contra um partido” (Freud explica).
E foi pela boca do JB que saiu quase tudo que foi dito no ato. Além dele, falaram apenas os religiosos que fizeram o culto ecumênico (entre eles o Padre Antonio Maria), o presidente da OAB-SP e Hebe, que disse umas três frases.
Sem dúvida, o mais interessante foram as frases do advogado JB, destaco algumas:
— E esse movimento em defesa do Brasil haveria de começar de começar em São Paulo. Por que no brasão da bandeira do Estado de São Paulo, em latim, está escrito: ‘não sou conduzido, conduzo’. E nós de São Paulo conduzimos. E vamos conduzir o Brasil. Para o bem, claro...
— Acho que muitos dos que vieram aqui, como eu, vivem o mesmo drama. Apesar de minha filha ter estudado numa das melhores faculdades do Brasil, mesmo tendo feito estágios em excelentes empresas, minha filha teve que ir morar fora do Brasil para trabalhar. Hoje minha filha está lá fora. Ela vive na Europa. E eu quando tenho saudades da minha neta tenho que atravessar o Oceano para lhe dar um beijo.
— Acaba de chegar o apresentador Osmar Santos. Osmar Santos é uma pessoa que perdeu os movimentos físicos, mas está com todos os seus movimentos cívicos.
— Vale mais acender uma vela do que enaltecer a escuridão.
Bem, o advogado JB disse outras tantas frases ‘impactantes’ que traduzem um pouco da luta e da indignação do movimento "Cansei". Lembrou, por exemplo, o hino do exército, que, segundo ele, fala “a paz queremos com fervor”. E lembrou que há alguns anos as pessoas não sabiam o que era a palavra sequestro.
Mas além das falas de JB, algumas outras histórias também merecem registro:
Historinha 1 – Ao fim do ato os famosos saíram escoltados pelos “homens de preto”. Seguranças fortes e de terno garantiram com algumas boas cotoveladas que os famosos passassem num corredor polonês completamente protegidos daqueles que ali estavam para conseguir um autógrafo. De repente, um grupo de aproximadamente 30 pessoas começou a cantar: “Ana Maria, cadê você, eu vim aqui só pra te ver”. Das quatro famosas que chamaram a convocação em filipetas e cartazes, apenas a metade esteve lá. Hebe e Sangalo foram, mas Regina Duarte e Ana Maria Braga talvez tenham sido substituídas por Silvia Popovic e pela ex-deputada federal tucana, Zulaiê Cobra Ribeiro, uma das mais animadas em cima do palanque.
Historinha 2 – D´Urso da OAB-SP anuncia que é chegada a hora do 1 minuto de silêncio. O palanque está a frente da escadaria da Sé. Uma boa parte dos cansados que foram à manifestação sentou ali, nas escadas, ao invés de ir para a frente do palanque. A equipe de TV do "Cansei" começa a filmar a escadaria e percebe que as pessoas continuam sentadas, imóveis. O jornalista (imagino que era um jornalista) que vestia uma camisa preta, com o slogan "Cansei", começa a pedir desesperado, agitando os braços, que as pessoas se levantem e coloquem a mão no peito para que possa fazer as imagens. Em menos de 1 minuto a cena estava pronta.
Historinha 3 – Faltavam cinco minutos para o ato começar. Um senhor simples, carregando um saco plástico com alguns mantimentos dentro chega atrás do palanque e fica olhando como se não estivesse entendendo nada. Pára, olha pros lados, e como vê muita gente de preto, pergunta para um bem postado engravatado: “Ué, o que tá acontecendo, morreu alguém?”. O engravatado, olha de cima pra baixo, faz uma cara de nojo, vira as costas e sai andando. Este jornalista, que acompanhava a cena, explica para o senhor o que está acontecendo. Ele devolve com uma outra pergunta: “então é coisa contra o Lula?”. Dou um sorriso. Ele balança a cabeça, faz cara de nojo e sai andando.
Historinha 4 – Enquanto o apresentador JB lamentava os 30 dias completados nesta sexta-feira, 17, do pior acidente da aviação brasileira, uma das manifestantes, que pediu para ser identificada apenas como Maria, levantou-se das escadas de frente à Catedral, onde estava sentada, e gritou:
“E o Metrô? Fala do buraco do Metrô, foi lá que começou.”
Segundo ela, que passava no local e aderiu porque viu que não era um movimento contra nada e nem contra ninguém, o descaso geral começou com o acidente do Metrô em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. Na ocasião, “morreram, foram enterrados, e todos se esqueceram deles”. Ela não compara as tragédias, só pede que seja também lembrada.
O apresentador termina o discurso, ouve os gritos e sinaliza com as mãos que depois voltará à carga, incluindo no discurso o acidente nas obras sob responsabilidade do governo estadual. Claro, o ato termina sem que o caso do Metrô fosse lembrado.
Por fim – Até entendo que seria demais para o Uol contar essas e outras tantas histórias do ato de hoje, mas não precisava exager tanto no botox e no silicone para deixar a manifestação do "Cansei" tão mais bonita do que ela foi.