Orobó, Chapecó e Chorrochó... Uma viagem mental!
Acho muito estranho que muita gente que mora em cidades com nomes indígenas, principalmente, e nem procuram saber o que significam. São centenas no Brasil. Listei algumas, de origem tupi
Um dia, vendo a escalação da seleção croata de futebol, imaginei fazer uma brincadeira aqui. É que os jogadores da Croácia são chamados pelos sobrenomes e eles têm quase todos a mesma terminação: Modric, Livarovic, Brpzovic, Vlasic... e a pronúncia desse final é “itch”, o que rendeu piadas com escalações nacionais como, Bursite, Conjuntivite, Meningite, Pancreatite, Apendicite...
Brinquei fazendo umas escalações com palavras da nossa língua e acabei imaginando uma em que fossem apelidados de acordo com as cidades em que nasceram, com nomes terminados em ó, de origem indígena, do tupi e de línguas do tronco-jê. Ficaria mais ou menos assim: Orobó, Cabrobó e Bodocó; Icó, Caicó, Chorrochó, Piancó e Chapecó; Caparaó, Caxingó e Mossoró. Ainda sobrariam alguns na reserva, como Bodó, Cipó, Itororó, Choró, Matipó, Orós, Tacaimbó... O técnico mereceria mais do que o nome de uma cidade, poderia ser uma região, o Seridó.
Bom... O que significam esses nomes? Lá vai uma lista, sujeita a alterações, porque alguns linguistas têm versões diferentes. Orocó-PE (é nome de uma fruta, mas há quem diga que é uma corruptela de urubu); Cabrobó-PE (na língua cariri: guerra, luta); Bodocó-PE (em tupi, carne seca da roça); Icó (em tupi: ser, viver); Caicó-RN (em cariri: mato ralo); Chorrochó-BA (tupi: impetuoso); Piancó-PB (cariri, suponho: pavor, terror – por causa de um rio difícil de atravessar); Chapecó-SC (caingangue: de onde se avista o caminho da roça); Caparaó-MG (tupi: casa feita de capara – capara é pau torto); Caxingó-PI (não sei de que língua, mas acho que é do cariri: coxo, manco) e Mossoró-RN (tupi: rasgão ruptura). O nome do técnico Seridó é de uma região pegando pedaços da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Significa, na língua cariri, pouca folhagem, pouca sombra, pouca cobertura vegetal.
Vejamos os reservas. Bodó-RN (em tupi, é nádega, mas na língua cariri é outra coisa, só que não descobri o significado); Cipó, todo mundo conhece, mas o significado dele em tupi é galho-mão); Itororó-BA, onde “fui buscar água e não achei”, vem do tupi: rio barulhento; Choró-CE (tupi: verter, toró, enxurrada); Matipó-MG (tupi: fibra da palmeira chamada pati – palavra que significa o que serve para prender o leito); Tacaimbó-PE (tupi: riacho dos galho) e Orós-CE, famosa pelo açude que tem lá (tupi: folha amargosa.
Nomes interessantes e ignorados
Acho muito estranho que muita gente que mora em cidades com nomes indígenas, principalmente, e nem procuram saber o que significam. São centenas no Brasil. Listei algumas, de origem tupi. Quando não aparece nenhuma referência linguística, quer dizer que são do tupi. Listei uma ou outra com nomes do tronco-jê, falado por povos como o Caingangue e o Cariri, entre muitos outros. Aí vão elas.
Jericoacoara é o nome de uma das praias mais bonitas do mundo, fica no Ceará e significa buraco da tartaruga, mas o nome do município em que ela fica é Jijoca de Jericoacoara, e jijoca é “casa das rãs”, onde moram as rãs.
Quixeramobim, outra cidade cearense cujo nome provoca curiosidade, segundo alguns autores é “pedra de ponta curvada” em tupi, mas outros acreditam que é da língua cariri e significa "carne gorda”.
Em São Paulo, estado em que se falava uma variante do tupi, a “língua geral paulista”, há um monte de cidades com nomes tupis, especialmente nas proximidades da capital, no Vale do Paraíba e no litoral, Itaquaquecetuba provoca muita curiosidade, e seu nome significa “bambu [taquara] que corta como faca”. Igualmente provocador é o nome Pindamonhangaba, que significa “lugar onde os homens fazem anzol”, quer dizer, fábrica de anzol. Ah... e Poá... nome curtinho com significado mais comprido e bonito: mão aberta. “Pô” é mão, e “a” é aberta. Ubatuba, “muitas canoas”, tinha mesmo muitas delas. Lá, durante a Guerra dos Tamoios, era uma base do líder Cunhambebe, que guerreava muito bem pelo mar. Mas os nomes tupis se estenderam também pelo oeste do estado, como no caso de Bauru, que as pessoas identificam como um tipo de sanduíche por causa do criador dele, que era daquela cidade, mas significa “cesto de frutas” (ybá é fruta e uru é cesta). Outro exemplo, mais distante, é Birigui (mosquitinho).
Urupema, em Santa Catarina, cidade mais fria do Brasil, tem um nome que não tem nada a ver com o frio. Uru é cesto e pema ou pemba é chato, chata. Então, urupema é peneira.
Jacobina, parece ter nome bíblico, não é? Pois o nome é tupi, ya-cuâ-apina, e significa jazida de cascalho descoberto. Foi o primeiro lugar em que acharam ouro na Bahia.
Goio-Erê, no Paraná, tem nome caingangue: rio do campo, alagado).
Em Minas Gerais, um nome curioso é Jequitinhonha, de uma cidade e de um rio. Jequi é covo, e o nome inteiro dela significa mais ou menos “covo mergulhado na água”.
Em Santa Catarina, Xanxerê não é do tupi, mas do caingangue. Xanxá é cascavel e erê é campo, então é campo da cascavel. E a vizinha Xaxim, nome tupi do caule da samambaia, significa coisa enrugada, enrugada.
Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, é um nome curioso também. Jaboatão (tronco reto) é o nome de uma árvore boa para fazer canoas, e guararape é “no tambor”, estrondo.
Tem em todos os estados
A gente estuda na escola que tupi é o grupo linguístico (que inclui tupinambá, tamoio, carijó, guarani, potiguara etc. que são considerados por alguns como dialetos do tronco tupi-guarani) falado no litoral, na época do “descobrimento”. Não é bem assim, mas é quase. O Brasil ainda tem mais de duzentas línguas indígenas, mas o tupi, falado pelos primeiros indígenas a terem contato com os portugueses, e por ser entendido numa extensão bem grande do país, foi escolhido pelos jesuítas para criar uma língua padrão para falar com todos esses povos.
Perceberam que o tupi era mesmo como um tronco com muitas variantes mas podia ser entendido pelos falantes dos seus “dialetos”. E queriam também criar uma escrita, pois o tupi e suas variantes não tinha isso, era uma língua oral, simplesmente. Assim, criaram em São Paulo a “língua geral paulista”, com vocabulário dos guaianases e gramática portuguesa. No Norte do país, criaram o nheengatu (língua boa, falar bem), com base no vocabulário tupinambá e na gramática portuguesa, falado até hoje em alguns lugares, no vale do rio Negro e é uma das línguas oficiais de São Gabriel da Cachoeira. A língua geral paulista e o nheengatu se confundem, são tratados muitas vezes como sendo a mesma coisa.
Assim, os padres que catequizavam os povos indígenas usavam essas línguas, e os bandeirantes, que não eram nada “bonzinhos” e percorreram boa parte do Brasil para escravizar povos indígenas e usavam também a língua geral paulista, foram denominando rios, serras e cidades, em tupi. Então, há lugares em que o tupi não era falado, mas tem muitos acidentes geográficos e lugares com nomes nesta língua. Tem cidades com nomes tupis em todos os estados. Vou listar algumas, incluindo umas poucas com nomes não tupis.
Vejamos na região norte. No Amazonas tem Itacoatiara (pedra escrita – por causa de inscrições rupestres) e Tefé (profundo). De outra língua indígena tem Eirunepê (filhos da barata, na língua kulina).
Em Rondônia tem Ji-Paraná (rio da rã ou, segundo alguns, rio do machado), Corumbiara (caminho do cascalho) e Tabajara (senhor da aldeia). Em Roraima tem Uiramutã (ave vermelha) e Caracaraí (rio do gavião); no Acre tem Bujari (terra fofa). No Pará tem Abaetetuba (muitos homens de verdade), Tucuruí (gafanhoto verde), Cametá (choupana na árvore), Parauapebas (rio de águas rasas) e, na ilha do Marajó (anteparo do mar), Aruã (suspiro do boto). No Amapá, tem pracuuba (árvore da cuia). Em Tocantins tem Pium (mosquito borrachudo) e Gurupi (rio pedregoso).
Pulando para o extremo oposto, região Sul, no Rio Grande do Sul, tem Sapiranga (olho vermelho), Camaquã (seio redondo), Jequirana (cigarra), Chuí (rio do pintassilgo) e Iraí (rio do mel). Em Santa Catarina tem Camboriú (rio dos robalos) e Criciúma (taquara pequena). No Paraná, tem Guairá (salto intransponível), Andirá (morcego) e Apucarana (semelhante a um banco).
No Nordeste, comecemos pelo Maranhão, que tem Turiaçu (fogueira grande), Tutoia (expressão tupi que significa “Oh, linda!”) e Sambaíba (árvore das cordas). No Piauí, tem Acauã (briguento – nome de uma espécie de gavião), Uruçuí (rio das abelhas) e Piripiri (juncal). Em Alagoas, tem Coruripe (rio do sapo), e em Sergipe tem Itabaiana (morada das almas). Em Pernambuco, tem a terra de Luiz Gonzaga, Exu (abelha preta), Caruaru (comichão e Itamaracá (sino). Na Paraíba tem a terra de Luíza Erundina, Uiraúna (pássaro preto) e Guarabira (garça vermelha).
No Rio Grande do Norte tem Genipabu (onde se come jenipapo) e Jucurutu (coruja). No Ceará, além dos lugares já citados, tem Assaré (travessia) Banabiú (brejo das borboletas) e Aracati (maresia). Na Bahia tem Camaçari (leite de peito), Jeremoabo (abobral), Ibotirama (terra das flores, jardim), Uauá (vagalume) e Mucuri (rio dos gambás).
No Sudeste, temos em Minas Gerais a terra de Dona Beja, Araxá (vista do mundo). No sul do estado, tem Baependi (clareira na mata – foi fundada por bandeirantes, que iam deixando alguns deles pelo caminho, para plantar alimentos e abastecer os dito cujos na volta e em outras viagens). Itabira, terra do poeta Drummond, é “pedra empinada”, e Itaobim é “pedra verde”.
No Espírito Santo, tem Cariacica (posta de peixe), Guarapari (curral das garças) e Piaçu (gente Grande). No estado do Rio, tem Saquarema (marisco fedido), Niterói (mar escondido) e Parati (tainha). No estado de São Paulo, além das cidades já citadas, tem Catanduva (mato ruim), Carapicuíba (pé de cará comprido) e Guaratinguetá (muitas garças brancas). Atibaia tem quem traduza por “pomar” e por “lugar saudável”.
Terminando no Centro-Oeste, no estado do Mato Grosso, tem Apiacás (homes do mato), Jaciara (luar) e Tabaporã (aldeia bonita). No Mato Grosso do Sul, Corumbá (banco de cascalho) e Maracaju (chocalho de ouro). Em Goiás tem Ipameri (ilha pequena) e Porangatu (muito bonita). No Distrito Federal, tem Taguatinga (barro branco). E da língua aruaque, falada pelos Terena, tem Aquidauana (rio pequeno).
Bom, ia incluir mais algumas coisas aqui, mas paro. O texto já está comprido demais. Volto ao assunto outro dia...