Uma lei municipal recente em São Paulo: urinar na rua pode resultar em multa de R$ 500,00, valor que dobra se for reincidência. Correto, não? Mais correto ainda seria se houvesse alternativa para quem está andando nas ruas e, se baixa uma vontade danada de urinar, não encontra um banheiro público. E daí? Bom, o assunto me fez lembrar, vejam só, de cachorros! O que tem uma coisa a ver com outra?
Antes que tirem conclusões erradas: não sou inimigo dos cachorros. Acho que quem trata mal animais, inclusive os cachorros, é no mínimo muito mau-caráter, embora alguns cães se comportem como meus inimigos. Tem cachorro que é “um doce” segundo seus donos e, quando me veem, viram feras. Querem me atacar.
Mas, por exemplo, acho uma beleza ver um bando de gente passeando com seus cachorros na praça do conjunto do BNH em que moro. E vejo pessoas educadas catando o cocô que seus bichos produzem. Nisso, brinco um pouco quando vejo aposentados exercendo esse seu dever cidadão: doutores, celebridades, de repente viram catadores de cocô de cachorro.
Aí volto ao tema inicial: urinar na rua. A nova lei paulistana manda que os cidadãos flagrados paguem essa multa. Como? Tem que pagar na hora? O cidadão é levado a uma delegacia para fazer ocorrência policial e multar? O guarda leva um talão de multas específico para isso? Não tive notícia de como a coisa será.
Bom... Tudo é possível. Essa até que é uma lei “civilizada”, só falta dar condições aos humanos de a cumprirem. Mas, na cabeça de alguns vereadores (e prefeitos) de tudo quanto é lugar passa cada ideia que faz lembrar o Stanislaw Ponte Preta com seu Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País. Um vereador paulistano, certa vez, diante do crescimento dos infectados pelo HIV tentou aprovar na Câmara uma lei obrigando a usar camisinha todo mundo que fosse ter relações sexuais em motéis. Só se esqueceu de incluir nela quem seria encarregado de fiscalizar a coisa.
Volto à urina. Fiquei pensando: se o sujeito leva um cachorro para urinar na praça ou na rua, tudo bem. O cachorro pode urinar à vontade. Se extrapolar e fizer cocô (que horror, eu usando essas palavras de crianças!), aí o dono deve catar e jogar no lixo. Mas se não catar, fica por isso mesmo. No máximo, se alguém flagrar a cena, o dono do cachorro vai ser visto como mal-educado.
Mas se, enquanto o cachorro estiver ali fazendo suas “necessidades” o dono dele tiver vontade de urinar também, aí a coisa pega. Se flagrado, multa pra ele! Então, chego onde queria: o cachorro tem mais direitos do que as pessoas.
E tem mais aceitação também. Muitas pessoas se socializam mais com cachorros do que com gente.
Um amigo meu foi morar num prédio da Vila Mariana e, educado, sempre cumprimentou todo mundo. Mas durante muito tempo, até dois anos atrás, jamais recebeu sequer um “bom dia” de volta. Ao contrário, havia quem o olhasse feio ou com ar de desconfiança quando ele ousava cumprimentar as pessoas no elevador, na portaria, ou mesmo no seu andar, esperando o elevador.
Aí arrumou um cachorro. Não precisa mais tomar a iniciativa de cumprimentar ninguém: as pessoas o cumprimentam sorridentes. Mulheres principalmente. As mesmas que o olhavam com hostilidade quando ele tentava ser educado com elas, agora são só sorrisos para ele. Quer dizer, para ele não. Para o cachorro. Ele é mero condutor do objeto de fascinação delas. Quando sai sem o cachorro ele torna-se invisível para elas. É cumprimentado por exercer com galhardia a função de passeador de cachorro. Umas querem até saber a raça do animal e perguntam a ele. A resposta: “É PSVL puro-sangue”. Elas fazem pose de quem conhece muito bem essa raça. Só uma lhe disse que nunca ouviu falar dela: “PSVL é sigla de alguma coisa?”. E ouvir a resposta: “Sim. É de Puro-Sangue-Vira-Lata”.
Bom, falei que os cachorros têm mais direitos e mais aceitação do que gente. E podem ganhar mais também. Há uns tempos, um amigo que trabalhava numa indústria me contou que durante a noite a fábrica era patrulhada por homens acompanhados de cachorros. Homens e cachorros eram terceirizados: os homens não eram registrados como empregados e os cachorros não eram de propriedade da empresa.
Detalhe: a indústria pagava à instituição, por mês, um valor que não me lembro em valores absolutos, mas lembro a proporção. O cachorro “ganhava” o dobro do homem.
Podem dizer: quem recebia essa grana era o dono dele. Então o coitado do animal também era explorado. Mas se o empresário canino fosse também “dono” do homem que acompanhava o cachorro, receberia pelo bípede a metade do que ganhava pelo quadrúpede.
Além disso, o cachorro recebia tratamento muito melhor do que o homem que o acompanhava. Existia uma grande preocupação com a saúde do animal, mas nem tanto quanto à do homem. Quando contei isso para uma mulher do meu bairro, ela me olhou como se eu fosse um imbecil ou inimigo dos caninos e respondeu curto e grosso: “Eles merecem”.
Vida de cão!
Pobre pede socorro,
Querendo virar cachorro