Tô com a Macaca!

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Imagino um gringo chegando a São Paulo na noite de 13 de outubro de 1977. Acharia que era uma cidade de loucos totais, ou que era o fim do mundo! É que, depois de um jejum de 23 anos – desde que recebera o glorioso título de “Campeão dos Centenários”, em 1954, quando a cidade se tornava quatrocentona – o Corinthians era novamente campeão paulista de futebol. Esse 13 de outubro foi chamado de “Dia da Libertação Corintiana”. Num Morumbi com 80 mil torcedores, o Corinthians venceu a Ponte Preta por 1 x 0, na terceira partida das finais do campeonato paulista. Na primeira partida o Corinthians ganhou por 1 x 0 também, e na segunda perdeu por 2 x 1. Daí a finalíssima, que terminou numa loucura que se espalhou por toda a cidade depois do gol de Basílio. Foi festa a noite toda. Agora, Corinthians e Ponte Preta repetem essa final, só que num campeonato que vem sendo chamado de “paulistinha”. Naqueles tempos, era “paulistão”. Uma pena que esse campeonato tenha sido tão depreciado ao longo dos últimos anos. Antes de ter o campeonato nacional, vencer o paulista era uma glória e tanto. Embora existisse o Torneio Rio-São Paulo, reunindo os melhores times paulistas e cariocas, quando se falava “campeão” nem se imaginava outra coisa: era campeão paulista. O Corinthians era o time com mais títulos, mas sua última temporada de sucesso havia sido a tal comemorativa do quarto centenário de São Paulo, quando contava com jogadores como Gilmar, Rafael, Homero, Idário, Roberto Belangero, Simão, Luizinho e Cláudio. E o técnico era Oswaldo Brandão. Depois de uns dez anos a seco, o Corinthians virou alvo de piadas, a ponto de ter pendurada em alguns botecos uma placa dizendo “Fiado só quando o Corinthians for campeão”. Mas estranhamente, o time não perdia torcedores. Por isso eles passaram a ser chamado de “Fiel Torcida”. Surgiu então os “Gaviões da Fiel”. Um parêntese: eu era corintiano. E gostava mais ainda do time no tempo da “Democracia Corintiana”, liderada por jogadores como Sócrates, Wladimir e Casagrande. Só que na época a chamada “crônica esportiva” era quase toda formada por uma horda de fascistas. Poucos locutores, comentaristas e jornalistas especializados em esportes escapavam. Perseguiam a Democracia Corintiana com ódio. O time ganhava tudo quanto era título, mas era tratado como perdedor. Um dos motivos para odiarem essa democracia era o fim da concentração, essa coisa de manter os jogadores trancafiados desde a véspera dos jogos. Várias vezes, vendo jogos na televisão, ouvia comentários horrorosos, quando, por exemplo, Sócrates errava um chute a gol. “É isso que dá” – falavam esses comentaristas. “Passa a noite inteira na farra...”. Conseguiram acabar com a Democracia Corintiana. E eu deixei de ser seu torcedor. Mas isso aconteceu bem depois de 1977. Um acontecimento poderia ter manchado essa libertação corintiana: um dos principais jogadores da Ponte Preta, o artilheiro Ruy Rey, foi expulso logo no começo do jogo, depois de xingar o árbitro Dulcídio Wanderley Boschillia. Mandou o árbitro “tomar no c...”. Correu-se o boato de que Ruy Rey já tinha um contrato secreto para ir para o Corinthians e foi orientado a fazer a provocação e ser expulso. Ficou amaldiçoado em Campinas. Não se pode garantir que o boato fosse verdadeiro, porém, para complicar ele foi contratado pelo Timão pouco depois. Mas isso não abafou a festa. Mal terminado o jogo, torcedores invadiram o campo, rasgaram e levaram pedaços da rede e parecia que estávamos no meio de uma alucinação coletiva, maior do que a conquista de um campeonato mundial. E era o campeonato paulista! Lembro-me de alguns dos jogadores da Ponte naquele ano, além de Ruy Rey. O goleiro era de seleção, Carlos. O zagueiro Oscar também. Foi um dos grandes defensores da seleção brasileira. E tinha também os supercraques Dicá e Polozzi. Do Corinthians, lembro que o técnico era de novo Oswaldo Brandão, e entre os jogadores, tinha o Zé Maria, Ruço, Tobias, Wladimir, Vaguinho, Basílio e Romeu. E lembro-me de uma das comemorações mais esperadas, que seria no bar apelidado Cu do Padre por ficar atrás da igreja do Largo dos Pinheiros. Oficialmente chamado Bar das Batidas, foi fundado pelo seu Narciso, corintiano fanático, justamente em 1954, último ano em que o time havia sido campeão. O bar era conhecido por suas batidas com receitas secretíssimas e também por seus provolones e mortadelas pendurados no teto, ao lado de muitas flâmulas. Seu Narciso dizia que só tiraria o pó dos provolones e das mortadelas quando o Corinthians fosse campeão. E haja pó! Outra promessa era de que as pessoas que cobiçavam as flâmulas penduradas poderiam ir lá no dia seguinte ao que Corinthians fosse campeão e pegar as que quisessem. Quando amanheceu o 14 de outubro, a porta do bar já estava repleta de gente interessada nelas. Nem tinham ido para casa, festejaram a noite inteira e foram para o Cu do Padre. O bar abriu, todos entraram correndo para pegar as flâmulas que queriam, mas... Surpresa! Seu Narciso tinha levado todas para sua casa na véspera. Não puderam pegar as flâmulas, mas comemoraram de forma inédita ali: um daqueles provolones enormes, que pareciam milenares, foi devidamente retirado do teto, picado e servido gratuitamente como tira-gosto. De ressaca, eu não estava lá, mas um cara que estava jurou que foi assim. Enfim... Embora tenha ainda minha simpatia pelo Corinthians, desta vez estou com a Macaca, apelido da Ponte Preta. Sei que vai ser difícil ganhar. No ano passado o audacioso Audax estava com tudo, jogando bem e bonito, mas perdeu para o Santos. E perdeu também quase todos os jogadores, atraídos pelos times grandes. Mas quem sabe a Macaca chega lá! Passaram-se quarenta anos, o paulistão virou paulistinha, mas ainda gosto dele e do Corinthians. E mais ainda da Macaca!