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Está aí a campanha eleitoral deste ano com uma novidade: a proibição de doação de dinheiro por empresas. Claro que já rola ou ainda vai rolar caixa 2, grana ilegal e outras mutretas (apesar dos temores) mas mesmo assim as campanhas serão menos caras.
Os marqueteiros que inventam qualidades para seus candidatos e detonam os adversários devem estar se lamentando. Não gosto de muitos deles, mesmo quando trabalham para candidatos em que eu voto. Fico particularmente irritado com a prática deles de “desconstruir” os adversários. Não no caso de certos políticos canalhas, de quem nunca é demais revelar suas práticas, mas daqueles que até ontem eram parceiros e considerados bons.
Uma bola fora dessas, acho e falei isso na época, foi na última eleição para presidente. Além de antiética, considerava um tiro no pé a campanha do marqueteiro João Santana “desconstruindo” Marina Silva.
Eu não votaria na Marina, acho ainda hoje que ela seria fraca como presidente. Mas não merecia aquele tratamento. Além disso, eu falava com os petistas: se der um segundo turno entre Dilma e Marina, a vitória da petista seria mais provável, e se perdesse também não era para uma pessoa e um partido tão ruins como o Aécio e o PSDB.
E tem mais, eu previa (até parece que sou um grande cientista político, hein?!): numa final Aécio e Dilma, haveria uma concentração de interesses de instituições como Fiesp, a grande mídia (Globo!) e outras forças reacionárias a favor do tucano. Além disso, ele não aceitaria facilmente a derrota. Com as características neo-udenistas dos tucanos, tentaria melar a eleição. Ainda mais se a diferença fosse pequena. E foi o que aconteceu. Está aí agora o resultado: toda essa trolha que está acontecendo, com a paralisação da economia – de que Dilma tem parte da culpa, mas as forças pró-tucanas forçaram a barra para piorar, e muito – e o impeachment de Dilma, tem grande parte de suas causas nisso aí.
Bom, voltando à campanha deste ano, os marqueteiros mais faturadores estão fora das campanhas, porque não vão poder ganhar os muito milhões de sempre.
Comprar votos também, teoricamente, vai ficar mais difícil. Mas acho que a coisa não vai funcionar tão bem assim.
Muito antes de empresas doarem milhões para candidatos com o compromisso de receberem muito mais em obras superfaturadas depois do sujeito ser eleito, já havia mutretas nas eleições.
Dar transporte e comida para eleitores sempre foi prática comum no Brasil. E candidatos mais ricos sempre brindaram eleitores com dinheiro, roupas e outras coisas. E há eleitores viciados nisso. Tentam arrancar qualquer coisa dos candidatos.
Lembro das campanhas do tempo do PSD e da UDN na minha terra, quando eleitores entravam nas lojas dos líderes partidários e saíam sempre com um “presente”, que podia ser um corte de tecido, um guarda-chuva (eles não custavam tão pouco como agora), sapato, chapéu... Claro que, em troca, prometiam votos da família inteira para o candidato deles.
No dia da eleição, num tempo em que ônibus eram raros, caminhões contratados pelos candidatos iam buscar eleitores na zona rural. Chegando à cidade, eram levados a um lugar em que se alimentavam de graça e depois para o local de votação. Às vezes votavam primeiro e depois iam se alimentar. À tarde eram levados de volta.
Quando PSD e UDN viraram Arena-1 e Arena-2, meio num tempo de vacas magras a Arena-1 oferecia aos eleitores apenas sanduíches de mortadela e tubaína, enquanto a Arena-2 oferecia sanduíche de presunto e guaraná.
Contam que quando os eleitores da Arena-1 eram levados de volta, com o caminhão chacoalhando na estrada esburacada, um deles passou mal e vomitou. Mas o que vomitou? Presunto! Então não é que ele era um “traidor”? Levado pelo caminhão da Arena-1, foi comer no reduto da Arena-2, e provavelmente votou no candidato deste partido. Além de passar mal, levou uns sopapos.
Mesmo depois disso, já nos tempos pós Arena e MDB, a prática desses “favores” continuou. E o hábito de dar dinheiro ou outras coisas para os eleitores permaneceu firme, ampliada pela grana alta recebida de bancos e empreiteiras. Canalhice dos candidatos e dos partidos? Sim, mas de eleitores também.
Um amigo meu, advogado, dava assistência jurídica gratuita a um monte de movimentos de moradia, na região metropolitana de Belo Horizonte. Se não me engano, 33 associações.
Convenceram esse amigo a se candidatar a deputado estadual. Ele topou e ganhou apoio de apenas quatro das associações para as quais trabalhava de graça. As demais foram compradas por deputados tradicionalmente inimigos delas, com meras doações de jogos de camisas de futebol e algumas cestas básicas.
Em um outro lugar, um candidato a prefeito, direitista, rico e corrupto, dava material de construção para pessoas que durante todo o mandato se mostrava inimigo dos pobres. O padre local aconselhou aos eleitores: “Peguem os tijolos dele, mas votem contra, que ele merece”. Mas não. Os eleitores mostraram “fidelidade” a ele. Votaram em massa no seu tradicional inimigo que só durante as eleições tornava-se “bonzinho”.
O certo é que muitos e muitos eleitores colocam seus votos à venda. Parte deles “fiel” ao seu comprador, outros querendo apenas “faturar” qualquer coisa que seja do candidato. Às vezes, garfando brindes ou grana de todos eles.
Vou contar um caso acontecido em 1982, quando o PT concorria numa eleição pela primeira vez.
Em Belém, capital do Pará, um candidato a vereador fazia campanha sem ter nem santinho, quer dizer, aquele retrato impresso com nome e número do candidato. Só atacava de conversa, tentando convencer os eleitores.
De repente, foi abordado por um eleitor daquele tipo que só larga do pé do candidato quando consegue arrancar dele qualquer coisa que seja.
Foi logo pedindo: “Tem uma camiseta pra mim?”.
O candidato respondeu que não. “Eu não tenho nada, nenhum material de campanha”, disse ele.
O sujeito insistiu: “Então me arruma um dinheirinho pra comprar comida pra minha família”.
O candidato reagiu: “Sou pobre, meu. Só vim pra cá com o dinheiro da condução”.
O eleitor não se deu por vencido. Pediu um vale transporte, ou qualquer outra coisa. O candidato respondeu que, não tinha nada pra dar.
Já meio irritado por não conseguir nada, o eleitor falou: “Então me dá um cigarro”.
O candidato disse que não fumava, o eleitor falou bravo, indicando o bolso da camisa dele: “Não fuma? O que é isso no seu bolso?”.
Com paciência, o candidato mostrou pra ele o que era e explicou: “É colírio. Tenho um problema nos olhos”.
O eleitor olhou, pensou, levou a mão ao rosto, pôs o dedo indicador na altura da sobrancelha e o polegar na maçã do rosto, abriu os dedos, arregalando o olho direito, deu uma abaixadinha com o rosto virado pra cima e pediu:
“Põe uma gotinha no meu olho, põe?”