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Passou o Carnaval! Quer dizer, passou entre aspas. Ainda vai ter muito bloco no sábado. Já se foi há muito o tempo em que os jornalistas e radialistas podiam falar do Carnaval usando o horroroso chavão “tríduo momístico”, os três dias dedicados ao Rei Momo: domingo, segunda e terça.
Reparem que nem o sábado estava incluído nesses três dias. E quarta-feira de cinzas, ai de quem ousasse festejar. Era pecado de deixar padres e famílias religiosas babando de raiva.
Na terça-feira, à meia-noite, por mais que a festa estivesse animada, tinha que acabar. Meia-noite e um minuto já era quarta-feira de cinzas. Ponto final. Fim do Carnaval.
Há algumas coisas que gostaria de comentar aqui. Uma é que muitos ficam ansiosos para que o Carnaval chegue logo, e outros ficam ansiosos para que a festa passe logo.
Como dizia Stanislaw Ponte Preta, um sujeito odiava tanto o Carnaval que passava os três dias sem tirar os sapatos, só para não puxar o cordão.
Mas o mais comum de quem odeia carnaval – ou passou a odiar – não é por motivo assim tão “ideológico”. Na Vila Madalena, onde moro, muitos moradores ficam incomodados demais com o “barulho” o dia todo, a quase impossibilidade de sair de casa em certas ruas, o excesso de gente nos bares, de modo que os locais frequentados normalmente por esses moradores ficam inviáveis, e também aquela sensação, para muitos, de “meu tempo passou”.
Eu já gostei muito, ainda aprecio um pouco, mas não tanto, principalmente dos blocos de sujos, sem nenhuma organização. Carnaval organizado parece que não combina muito, embora a tendência seja “legalizar” os blocos, registrar na prefeitura, definir horários e trajetos, ter proteção policial. Esta é uma tendência atual. Fico lembrando de uns bons carnavais. Era só cantar, pular, dançar e tentar namorar as belas moças que nesse clima ficavam muito mais paqueráveis, dispostas a namoros passageiros. Não estou falando de assédio, nada disso.
Agora, continuam assim, cada vez mais. E parece que a quantidade de moças lindas aumenta progressivamente. O problema é que um cara careca e de barba branca, como eu, não tem vez com elas, né? Então só nos resta ficar apreciando, lamentando não ser jovem nestes tempos muito mais liberais.
Uma novidade é a invasão de todo tipo de música nos festejos. Foi-se o tempo das marchinhas, dos sambas, do frevo e outros ritmos tradicionais da época, embora as marchinhas consideradas “de antigamente”, continuem fazendo sucesso, pois não tiveram substitutas. Frevo, então, acho que o último composto para o Carnaval e bem sucedido é “Chuva, suor e cerveja”, belíssimo, de Caetano Veloso. Tem no mínimo três décadas, assim como os sambas “Máscara Negra”, de Zé Kéti e “A noite dos mascarados”, de Chico Buarque, também excelentes. Depois disso... Quem se lembra de alguma música de Carnaval que merece ser lembrada?
Só que agora tem bloco que desfila ao som de rock e até de sertanejo universitário. Ouvi músicas do Wando, cantadas no Largo da Batata, e muita música brega. Sem contar sucessos do passado que nada têm a ver com Carnaval.
Quem deve ter ficado muito surpreso com o sucesso que fez neste Carnaval foi Sidney Magal, com sua “Sandra Rosa Madalena”. Quem diria!
Mas tem uma coisa: a dança continua ao estilo antigo. Ninguém dança rock no Carnaval, ainda que o ritmo seja esse. Nem sertanejo universitário.
Nisso, participei de um bloco que surpreendeu. Foi há muito tempo, em São Luiz do Paraitinga, quando recriávamos o Carnaval de lá. Eu participava de um bloco chamado “Peida n’água”. Num tempo em que não havia pousadas na cidade, arranchávamos na chácara do amigo Américo, escolhíamos um tema e compúnhamos uma marchinha no sábado de manhã e saíamos em direção à praça central. Ia juntando gente e quando chegávamos à praça já éramos um bando razoavelmente grande. Mas coisa minúscula se considerarmos o que virou o Carnaval luizense depois.
Em 1984 ou 85 nosso bloco decidiu: vamos sair cantando bolero. A música escolhida foi Maria Helena. Quem se lembra desse bolero? Começa assim: “Maria Helena és tu / a minha inspiração / Maria Helena vem / ouvir meu coração”.
Bom... A inovação é que dançamos bolero. E aos pares, como nos bailes de salão. Na “capital das marchinhas”, São Luiz do Paraitinga, acho que foi a única vez que aconteceu isso, com um bando dançando bolero, aos pares, nas ruas do centro da cidade, em pleno sábado de Carnaval.
Será que vou ver coisa parecida em São Paulo no próximo ano?
Foto de capa: Fernando Pereira/ Secom