O voto e a volta aos velhos tempos

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Tenho me lembrado de uma música de “antigamente”, com muita insistência. Ela fica na minha cabeça e não sai, por mais que eu tente.

Aliás, eu me lembro de pouca coisa dela. O principal é o verso que diz “Eu vou voltar aos velhos tempos de mim, vestir de novo meu casaco marrom...”.

No meu caso, voltar aos velhos tempos de mim não tem muito a ver com a cor do casaco que eu usava, embora eu tivesse um marrom também.

Quando o verso “vou voltar aos velhos tempos de mim” fica martelando na minha cabeça, o que me lembro é da época em que muitos de nós votávamos nulo.

Eram tempos de Arena e MDB, durante a ditadura. A Arena – Aliança Renovadora Nacional, partido do governo, servia apenas para dar um ar de legalidade às decisões dos militares. Seus parlamentares faziam tudo que eles mandavam e aprovavam tudo que viesse de cima.

Numa rara vez que alguns deles puseram as manguinhas de fora, não aceitando que o governo processasse o deputado Mário Moreira Alves, que tinha “ofendido” as Forças Armadas com um discurso na Câmara, os militares editaram o Ato Institucional número 5 e acabaram com a brincadeira de fingir que tinha um Congresso funcionando. Senado e Câmara Federal ficaram fechados por um bom tempo, e só o reabriram para, obedientemente, referendarem a nomeação de Emílio Garrastazu Médici para a presidência, para o governo exibir uma suposta democracia que não existia.

Contra a Arena, havia o MDB – Movimento Democrático Brasileiro, sigla anterior ao atual PMDB. Apesar de alguns parlamentares chamados de “autênticos”, o partido servia mais para legitimar a falsa democracia da época.

Como se dizia, existiam dois partidos: o “do sim” e o “do sim senhor”.

Então, muitos de nós não levávamos as eleições a sério, achávamos que elas serviam só para dar um ar de legalidade à ditadura. Votávamos por obrigação, e sempre nulo.

Comecei a votar em alguém, quando meu amigo Geraldo Siqueira se candidatou a deputado estadual. Acreditei nele, e não me arrependo. Era do MDB, de um pessoal que acreditava que dava para atuar decentemente no parlamento. Foi sempre um deputado decente, como alguns outros poucos.

Com o fim da ditadura, parecia que o Congresso melhoraria bastante, e chegou mesmo a ter alguns momentos gloriosos. Pode-se dizer que houve uma quantidade razoável de bons deputados e senadores.

E agora? É decepção atrás de decepção. O baixo nível é quase absoluto, seja do ponto de vista de atuação política, de ética, de propósitos, de desempenho e até de discurso. Os debates parecem ser de uma câmara de vereadores de uma cidadezinha dos confins do mundo. Nas conversas sobre política, há quem diga que não sobra um que preste. Eu ainda acredito que haja uns cinco ou seis senadores e uns quinze ou vinte deputados que não estão ali para negócios.

Muitos acham que sou otimista, que não há tantos bons parlamentares assim.

Não tenho ânimo para manter esse otimismo. A tentação é essa: voltar aos velhos tempos de mim... Votar nulo. Se bem que o que faço é quase isso: voto – e outras pessoas votam também – em alguns poucos quixotes que não conseguem fazer muito naquele ambiente. Um ou outro é eleito.

Para que não me envolvam no ódio bipolar que tomou conta da política brasileira, aviso que, como votei no Geraldo Siqueira no final da ditadura, sabendo que ele pouco podia fazer mas tinha honestidade política, tenho votado em candidatos do Psol, que estão – pelo menos por enquanto – entre os votos que não redundam em arrependimento. Não são só eles, mas nos partidos que deveríamos levar a sério (os outros nem merecem menção), são pouquíssimos os parlamentares que pelo menos esperneiam.

Enfim tenho tido a sensação de que mandar esses caras para o Congresso equivale ao ditado “dar pérolas aos porcos”. Vou votar aos velhos tempos de mim? Bem... Como já disse, acho que continuo nos velhos tempos, porque os candidatos em que voto equivalem a voto nulo. Uns podem se eleger, mas e daí? O que podem fazer quinze ou vinte deputados e cinco ou seis senadores num Congresso com quase seiscentos parlamentares?

Outra coisa: falei aqui dos políticos do poder Legislativo, mas os do Executivo não são melhores. Governadores e prefeitos são ruins, quase sempre muito ruins. São raros os que se salvam. E presidente? Que opção há para substituir Dilma Roussef? Quem poderia dar um chega-pra-lá nos corruptos e oportunistas, nos negociantes de cargos e verbas, parar de aceitar as chantagens dos partidos e dos congressistas? Quem teria peito de pelo menos tentar fazer uma reforma política de verdade? Quem teria coragem de peitar as bancadas da bíblia, da bala e da bola, conservadoras, que impõem seus dogmas e seus interesses a todo o país, porque os governos “precisam” do apoio deles?

E para terminar, já que “falei” em Dilma Roussef, quem sabe agora que aceitaram o pedido de impeachment dela, ela resolva rodar a baiana, fazer tudo isso que pergunto no parágrafo anterior.

Se for para ser destituída, que seja por decência, por fazer o que esperávamos que ela faria, não por acusação de corrupção ou coisa do gênero. Sair (se assim for o “destino”) de cabeça erguida ou sair como um lixo?

Recado aos carnívoros

Não espero pureza absoluta de ninguém, seja político ou não político. Aliás, um “puro total” deve ser até muito chato, como os que se proclamam “politicamente corretos”.

Uma “incorreçãozinha” aqui ou ali, penso, não é motivo para demonizar ninguém, seja de que partido for. Entre os que acho bons parlamentares, pode ser que algum tenha feito coisas que os moralistas condenem, mas que não os tornam ruins, nem desonestos.

Sobre Delcídio do Amaral, com seu ar de bom moço e cara de bebê Johnson, achava que podia ter algo por aí ou um pouco além. Mas ele foi muito além. E acabou reforçando a sensação geral de que ninguém se salva se forem fuçar seus comportamentos. Eu acredito em alguns, repito. Cada vez menos “alguns”.

Já Eduardo Cunha... Bom... Ainda há quem o defenda. Por que será? Rabo preso? E ele vai escapar da Lava Jato e do STF?

Fora a impunidade dele, eu me lembro de uma conversa que tive com um amigo em Porto Alegre, quando participava da Feira do Livro.

A conversa não tinha nada a ver com política, era sobre a notícia divulgada naqueles dias de que linguiça dá câncer, presunto dá câncer, salsicha dá câncer, mortadela dá câncer...

A mulher dele disse que realmente carne processada é mesmo perigosa, sempre. Ele matutou um pouco e falou:

— Então, de agora em diante, só vou comer tucano, que nunca é processado.

(Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)