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Os moradores de São Paulo estão numa situação meio maluca, contraditória, em relação às chuvas.
Há uma grande torcida para ter chuva, mas ao mesmo tempo há um grande medo das chuvas.
Se não chover bastante, com certeza vamos ter racionamento de água dos brabos, neste ano e quem sabe por muito mais tempo.
E se chover bastante vai ter muitas enchentes, cada vez maiores e piores, queda de árvores, falta de energia e outras desgraças.
Sobre a piora das enchentes e o aumento da área alagada, é coisa esperada: a cada dia se constrói mais prédios e avenidas em São Paulo, e se impermeabiliza mais o solo, não há por onde a água entrar e acaba entrando nas casas das pessoas, provocando prejuízos.
Até áreas destinadas teoricamente a parques e praças são ocupadas por grandes condomínios, e também por movimentos de moradia. No caso de condomínios, o poder econômico das empreiteiras fala mais alto do que o interesse coletivo. No caso de movimentos de moradia, a “questão social” é a responsável, mas não deveria ser: que se ocupem áreas mais adequadas do que, por exemplo, um parque numa área de proteção de mananciais.
Mas prefeito “bom” e vereador “bom” é o que burla as leis e os interesses da cidade para atender parte do seu eleitorado, não é? É um problema que vem de há muito tempo. Estão aí bairros enormes em áreas que fatalmente se alagam, por ser, por exemplo, mais baixos do que os leitos do rio Tietê, que foram loteados irregularmente e ocupados. Em vez de prender o loteador safado, os políticos “bons” para os “coitadinhos” que foram morar ali levaram luz, água, asfalto, escolas... São locais de tragédias anunciadas, regulares, que acontecem a cada temporada de chuvas. De quem é a culpa?
E a cada ano as enchentes pioram, há protestos, moradores queimam ônibus. Acho que as empresas de transportes são péssimas, mas queimar ônibus virou modo de protesto contra qualquer coisa. Prenderam um assaltante? Fogo no ônibus! Enchente? Fogo no ônibus! Faltou luz? Fogo no ônibus!
Um parêntese que tem um pouco a ver com a degradação do clima e com mais enchentes, mas é mais sobre o descaso com a cidade e a maioria de sua população: as áreas de mananciais, que vão sendo ocupadas progressivamente, sem que o poder público faça nada!
Cada pessoa produz em média um quilo de esgotos por dia. Imagine um bairro com duas mil famílias, dez mil moradores. São dez mil quilos de esgoto, incluindo fezes, que vão para a represa que nos abastece de água. Uma coisa totalmente irregular, ilegal e – acho – imoral. Mas que político ousa não levar para esses lugares os serviços urbanos? Se não tivesse ali água potável, energia, transporte e outros serviços, e se se retirasse as primeiras moradias dali antes que o local virasse um bairro inteiro, haveria esse problema?
Certo, a maioria que ocupa esses lugares são pobres que precisam de moradia. Mas uma política habitacional séria e que funcionasse pra valer evitaria isso.
Bom, voltemos às enchentes e seus efeitos. Tem a questão da mobilidade urbana: “resolve-se” tudo alargando avenidas, ocupando as margens dos rios com mais e mais vias asfaltadas, como fizeram com a Marginal do Tietê. Enquanto falta grana para ampliação da rede de trens e metrô, sobra para impermeabilizar o solo com mais asfalto e ampliar a área de enchentes, como vai acontecendo progressivamente na Zona Leste da cidade.
Vai falar para o ex-prefeito que asfaltou mais áreas na beira do rio que ele é o responsável pelas enchentes que agora chegam a lugares em que nunca ocorreram antes...
E a falta de luz?
Sobre a falta de energia, também a gente sabe o que acontece: desde que o serviço de distribuição de energia foi privatizado, só piorou. O que interessa para as empresas é lucro, e será que interessa à empresa gastar com a manutenção da rede? Para que os lucros sejam maiores, os gastos com a manutenção da rede têm que ser menores.
Para agravar a coisa, as chuvas com ventos derrubam árvores na fiação, que se rompe, e há uma demora enorme para os consertos. Neste período tem casos de demora de três dias para a volta da energia, gerando prejuízos enormes, além de desconforto.
Árvores, as vilãs da história?
A grande “novidade” deste verão tem sido o aumento do número de queda de árvores. Mais de mil delas caíram nos últimos quinze dias.
Mas para quem observa e procura entender o que acontece, também não é tão novidade assim.
Basta andar pelas ruas arborizadas da cidade para ver como as árvores são tratadas. A grande maioria tem o tronco cercado por asfalto ou cimento. Não há por onde a água infiltrar e chegar até as raízes delas.
Mesmo quando chove muito, não chega um pingo de água às raízes dessas árvores. E essas raízes secam e apodrecem, as árvores ficam sem sustentação. Vão caindo aos poucos. A gente vê muitas árvores bem inclinadas, mostrando que vão cair, só estão à espera de um “motivo”, que pode ser a chuva com vento.
Para piorar, mesmo quando as árvores estão mais ou menos saudáveis, as podas também contribuem para o desequilíbrio delas.
Cortam todos os galhos voltados para os prédios ou as casas, e deixam os voltados para a rua. O peso da parte não podada puxa a árvore, e ela fica propensa a cair.
É certo que caíram árvores até no Parque do Ibirapuera. Árvores saudáveis caíram por causa dos ventos fortes, mas a grande maioria das quedas foi de árvores estranguladas pelo asfalto e pelo cimento.
Então, está aí mais um drama paulistano: as árvores são necessárias para melhorar o clima e a qualidade do ar, para a vida, enfim, mas maltratadas como são, tornam-se problemas.
Enquanto isso, as construtoras transformam áreas verdes em grandes prédios, às vezes mantendo algumas árvores, mas poucas, e quase sempre “sufocadas” pelo cimento; os governos transformam área de escoamento da água em avenidas asfaltadas e os moradores cimentam seus quintais. As árvores que restam da ação de empreiteiras, governos e moradores ficam condenadas à morte de maneira lenta e cruel.
O que se pode esperar disso tudo? O ideal seria a mudança geral de comportamento.
Mas as empreiteiras querem é lucro, os governos querem é mais vias asfaltadas e os moradores acham que quintal arborizado é ruim, que as folhas de árvores são sujeira.
Não podemos reclamar das tragédias. O que todos deviam fazer – relembro aqui a minha origem cristã – seria bater no peito repetindo: “Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa...”.