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? Alguém aí tem milhagens de alguma companhia aérea sobrando, pra me dar?
Esta é a mensagem que eu preparava para mandar para amigos e parentes que viajam muito a trabalho. Parece pretensiosa, não é?
Pois tenho viajado bastante com milhagens ganhas, e nem precisei pedir. E se não fosse assim, não viajaria mais para lugares distantes, pois meus rendimentos são de aposentado pelo INSS. E agora precisaria de muitas milhagens para cumprir uma meta traçada na infância: “Vou conhecer todos os estados e territórios brasileiros, menos Fernando de Noronha”.
A diferença entre os antigos territórios federais e os estados era que os territórios não tinham assembleias legislativas, e os governadores eram nomeados. Acre, Rondônia, Amapá e Fernando de Noronha eram territórios e viraram estados. Fernando de Noronha era também, mas foi incorporado a Pernambuco. Eu não pensava em ir lá porque ele era mais uma base militar, governada por militares, em que os civis praticamente não tinham direitos, e algumas vezes foi utilizado como presídio político. Mas acabei indo lá também, a trabalho, como geógrafo, quando ainda era território, mas já com governador civil.
E agora ? que “conheço” (em alguns estive poucos dias) todos, parece que vou ter que viajar mais, para lugares difíceis de chegar, para cumprir minha jura de infância, e já sem aquela saúde que permitia viajar de carona (o que não existe mais), de ônibus ruins por estradas piores, de trens que quase não existem mais ou em barcos mambembes, querem criar outros estados e territórios ? falam em dividir o Pará em três estados. E um monte de políticos inexpressivos em seus estados se assanham, querendo um estado também, onde poderão ter cargos de governador, deputado, senador...
Em alguns dos pretensos novos estados, já estive. Um deles é Tapajós, cujos moradores, os mocorongos (este é o gentílico que eles mesmo se dão) reivindicam autonomia há mais de um século. Outro é o Triângulo, o nariz de Minas. Como o mapa de Minas ficaria feio sem seu nariz! Outro, a Gurgueia, hoje sul do Piauí. Por fim, o estado do São Francisco, no oeste da Bahia. E estive também no pretenso território do Pantanal, que até seria legal ter uma administração própria, se fosse para evitar sua destruição. Mas em alguns casos a história é outra: quem quer separar são justamente os devastadores: madeireiros, agronegociantes e grandes pecuaristas.
Enfim, teria que viajar para o Maranhão do Sul, Carajás, Mato Grosso do Norte e os territórios de Oiapoque, Araguaia, Solimões e Rio Negro (por este tenho uma atração especial: sua possível capital, São Gabriel da Cachoeira, é o único município brasileiro com quatro línguas oficiais: português, nheengatu, tucano e maniwa).
Mas nisso tudo fico me lembrando de uma época em que ainda morava no Sul de Minas e surgiu um movimento de políticos inexpressivos querendo criar um estado lá, alegando abandono da região pelo governo estadual. Outras pessoas insatisfeitas, mas que não cobiçavam cargos políticos, preferiam que a região se transferisse para o estado de São Paulo. E virou uma gozação, de cara dizendo: “Vou ter que mudar. Não me acostumo com o clima de São Paulo”. E outros dizendo: “O chão de São Paulo produz batata que é uma beleza. Vou virar batateiro”.
E lembrei-me também de uma viagem que fiz de Barra a Barreiras (então cidade pequena, agora pretensa capital do pretenso futuro estado do São Francisco). No ônibus lotado, com muita gente em pé, numa estrada de terra horrível, um maranhense falava mal dos nordestinos, todos preguiçosos, no conceito dele, com exceção dos maranhenses. E dos estados da região: nenhum prestava, com exceção do Maranhão.
Um rapaz se disse piauiense e falou com o sujeito que os estados deles iam se juntar e formar um grande estado. Piauí e Maranhão se uniriam, já estava aprovado no Congresso. O maranhense mudou de conversa, falando de como seria poderoso o novo estado. Até que o piauiense disse:
? Ele vai se chamar Piorão...
Esta crônica é parte integrante da edição 101 da revista Fórum.