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Cuspir de um abismo em outro abismo
Mandando ao céu o fumo de um cigarro.
Tem mais filosofia neste escarro
Que em toda a moral do cristianismo
Porque não fosse a orbe oval que os meus pés tocam
Regada pelo meu cuspo carrasco,
Não expressaria eu o acérrimo asco
Que os canalhas deste mundo me provocam.
Vi na TV que há na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei estendendo a proibição de fumar, hoje valendo para bares, restaurantes e ambientes públicos fechados em geral, também para parques, praças e praias. Na onda proibitiva contra o cigarro, algum dia ainda vão censurar Augusto dos Anjos e também o tango que diz que fumar é um prazer.
O interessante, no mau sentido, é que nas matérias televisivas sobre qualquer assunto as pessoas concordam com tudo quanto é proibição. Uma moça disse à repórter: “A gente vem à praça pra praticar esportes, não tem sentido fumar”. Certo, ela vai pra praça praticar esportes, ninguém tem nada com isso, né? E os outros?
Gente como ela acha que todo mundo tem que seguir seu modo de pensar e se comportar. Isso está cada vez mais comum. Numa época em que se fala tanto em restaurar as liberdades onde elas estão cerceadas, onde há liberdade esses fundamentalistas da babaquice querem acabar com ela.
O mundo está ficando chato, com as pessoas chatas conseguindo impor ao Estado e à sociedade seu modo de vida besta.
Quando a lei antifumo completava um ano em São Paulo, ouvi no rádio uma entrevista com uma mulher que era autoridade na área relacionada ao assunto. Ela falava da “cooperação” da população, denunciando fumantes e locais que não reprimiam fumantes. Exaltação do dedo-durismo é outra marca dos novos tempos. Comentando as denúncias recebidas, ela disse que muita gente ligava para dizer que “tem um homem fumando na sacada do apartamento dele, no prédio em frente”, Ela respondia aos denunciantes que “infelizmente” isso ainda não era proibido. Quer dizer: um dia será.
Uma amiga que trabalha num prédio do centro da cidade, numa área considerada “perigosa”, por causa do pessoal que fuma crack e dos trombadinhas que circulam por ali, é fumante e conta que há cerca de um ano, saiu do escritório para fumar na calçada, constrangida e tendo que ficar alerta. Aí chegou um rapaz e perguntou o que ela ia fazer com a bituca do cigarro. Ela pensou que o cara queria pedir a bituca e foi logo lhe oferecendo um cigarro inteiro, mas não era isso. “Eu sou um vigilante da bituca”, disse o rapaz, e só aí ela viu sua camiseta com a inscrição “vigilante da bituca”. Ficou sabendo, então, que já tem emprego público municipal para chatos ficarem de olho no que os fumantes fariam com a bituca.
Ela se contentou em mandar o cara plantar batatas.
Refletindo sobre isso tudo, pergunto mais uma vez (já perguntei outras): por que as próprias pessoas não podem decidir o que se faz dentro do seu estabelecimento? Disseram-me que em Portugal é assim, há bares para fumantes e bares para não fumantes. Cada um que procure sua turma.
E falando em Portugal, ouvi uma história sobre Salazar, ditador português que gostava não só de proibir coisas, mas também de prender e arrebentar pessoas (pelo jeito, o Brasil chega lá). Uma época, disse-me um português muito bem-humorado, o ditador resolveu também implicar com os fumantes. Só que para ele, dentro de ambientes fechados quem mandava era o dono do lugar. O lugar público sim, é que era passível de proibição de fumar, porque incomodava os outros (olha aí, proibidores do fumo em praias, praças e parques: vocês têm algo em comum com Salazar). Então baixou um decreto proibindo fumar em locais públicos. E a lei era clara: só era permitido fumar “debaixo de telhas”, que era a expressão usada como sinônimo de “dentro de casa”, de bar etc.
Estudantes de Coimbra, gozadores, resolveram o problema de forma brincalhona. Sempre que iam fumar nas ruas e praças levavam uma telha e seguravam sobre a cabeça. Seguiam a lei, não é?
PS: Não sou fumante. Nem fundamentalista.
Este artigo é parte integrante da edição 96 da revista Fórum.