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Quando soube que o Fórum Social Mundial deste ano seria no Senegal, lembrei-me de uma história envolvendo o primeiro presidente do país, libertado da França em 1960, Leopold Senghor, e o então governador de São Paulo, Adhemar de Barros.
Fora a fama de corrupto, de ser o responsável pelo slogan “Rouba, mas faz”, herdado por políticos posteriores, Adhemar também tinha fama de apreciar umas biritas. E de ser extremamente populista.
Acho que essas famas se justificam. Adhemar já tinha sido governador de São Paulo outras vezes. Como Paulo Maluf faria depois, ele sonhava ser presidente, mandava no seu partido e se candidatava... e perdia. Era um político paulista, e só. Antes de ir para o Morumbi, a sede do governo do estado de São Paulo era nos Campos Elíseos, região central de São Paulo, um lugar acessível para todo mundo.
Adhemar ocupou várias vezes aquele palácio, e recebia todo mundo, como um prefeito de cidade pequena dos tempos de hoje.
Um conterrâneo meu, seu Alcino, já idoso nos meus tempos de criança, vinha sempre a São Paulo fazer tratamento de saúde no Hospital das Clínicas; e tinha uma gratidão enorme a Adhemar, que construiu aquele hospital no seu primeiro governo. Era um hospital modelo para todo o Brasil, de altíssima qualidade e procurado por gente de todo o país, já que eram raros os hospitais públicos, ainda mais os bons.
Gente da minha terra com doença grave vinha a São Paulo direto, encarando umas horas de ônibus e, muitas outras, de trem da Mogiana. E o seu Alcino era uma dessas pessoas. Como demonstrar sua gratidão a Adhemar? Sempre que vinha a São Paulo, trazia um queijo e uma garrafa de cachaça Levanta e Cai (isso mesmo, era esse o nome dela) para Adhemar. Chegava à noite e, no dia seguinte, ia ao Palácio dos Campos Elíseos levar a cachaça e o queijo ao governador. E era recebido, sempre, com direito a uns minutos de conversa.
Bom, e daí? Daí que, segundo dizem, Adhemar bebia mesmo as biritas, e quando ficava meio alto soltava inconveniências.
Leopoldo Senghor, em visita ao Brasil em meados da década de 1960, foi recebido por Adhemar no palácio do governo (a esta altura, acho que já no Morumbi). O governador já estava meio chumbado quando o presidente senegalês entrou em sua sala, com um intérprete. Sem saber que Senghor era um grande intelectual, que falava inclusive português – e estava falando francês com um intérprete brasileiro, ao lado, apenas por causa das regras diplomáticas –, Adhemar resolveu sacanear o intérprete, falando bobagens para que ele inventasse qualquer coisa séria para Senghor.
A certa altura, falou para o intérprete:
- Levanta as calças dele. Meu avô dizia que crioulo bom pra capinar roça tem que ter canela fina. Vamos ver a dele.
E Senghor entendia tudo... Chegou de volta ao Senegal e, diziam, escreveu um livro sobre o baixo nível, a escrotidão e o racismo do governador paulista.
Fora o lado racista desse episódio de Adhemar, brasileiro tem mesmo mania de falar bobagens para estrangeiros. São comuns histórias de pessoas que vão “ensinar” a gringos, em geral, algumas palavras e mostram o rosto dizendo “bunda”, coisas por aí.
Não sei se é verdade, mas há histórias até de embaixadores falando coisas desse tipo com autoridades estrangeiras.
Uma história, que certamente não é verdadeira, é sobre um novo embaixador brasileiro que foi para a Rússia no tempo do czar Nicolau. Logo que chegou, foi convidado para uma recepção no palácio imperial, oferecida a todos os embaixadores. Como bom brasileiro, não podia deixar de fazer gracinhas, quando o czar veio cumprimentando um a um. Cada embaixador cumprimentava o czar em sua própria língua, e seu intérprete traduzia. O embaixador brasileiro teria feito algo semelhante a Adhemar. Sem saber que o czar Nicolau sabia português, piscou para o intérprete e disse:
- Quer mingau, Nicolau?
O czar olhou bem na sua cara e disse:
- Só se for de araruta, seu filho da p....
Esta crônica é parte integrante da edição 95 de Fórum.