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Tem gente que, para se expressar melhor, compara sempre o que quer dizer com alguma coisa. Por exemplo: para falar que alguém ou algo é feio demais, há quem diga que é mais feio do que o rascunho do mapa do inferno, ou feio que nem briga de foice. Os gaúchos, especialistas em ditos com comparações, dizem que é “feio como semblante de enforcado”. Pra dizer que alguma coisa é comprida demais, eles dizem que é “espichada que nem causo de gago”.
Há comparações possíveis de se ouvir em quase qualquer lugar do Brasil. E os pobres são sempre lembrados. Uma coisa enorme é grande como esperança de pobre, mas também dizem certas coisas duram pouco como alegria de pobre.
Uma comparação que acho divertida é essa: “Perdido como cachorro que caiu de caminhão de mudança”. Realmente, o bicho fica perdido. Voltar para a velha casa não adianta, e ele não sabe onde é a nova. Seu faro reconhece cheiro de uma determinada pessoa, mas não de um caminhão específico. Foi pensando nessa comparação que me lembrei do Ranoel, um velho ranheta de uma grande cidade do interior paulista. Um filho dele, Valdinei, morava em São Paulo e sempre sonhava resolver o problema de moradia dos pais, que nunca conseguiram ter a famosa casa própria. E pagar aluguel com salário de aposentado é uma barra.
Quando conseguiu acumular uma poupança razoável, Valdinei resolveu fazer uma surpresa aos seus pais. Comprou uma casinha bonitinha, num bairro melhor, sem falar nada pra eles. Só às vésperas da mudança é que chegou com a chave, o endereço e uma foto da casa. Foi uma festa, menos para o seu Ranoel, velho resmungão, que punha defeito em tudo. Não adiantava argumentar que a casa comprada pelo filho era muito melhor do que a que ele morava. Levaram o Ranoel lá, ele foi reclamando pelo caminho, sem nem reparar a beleza do bairro todo arborizado. Viu a casa novinha, bonita, com quintal que tinha uma churrasqueira coberta e, ao lado dela, uma área gramada com uma jabuticabeira no meio, e não gostou. Continuou reclamando. Preferia ficar no velho bairro, convivendo com outros aposentados, tomando umas cachacinhas no boteco da esquina. É claro que antes vivia dizendo que o filho "rico" só ajudava um pouco no aluguel. Qualquer coisa era motivo para resmungar.
Na hora de arrumar a mudança, além de não ajudar, Ranoel resmungava, atrapalhava. Tanto que a mulher, dona Rosilda, pegou um dinheirinho com o filho e sutilmente deu pra ele tomar umas por ali. E que não voltasse tão cedo!, pediu ela. Ele foi, resmungando.
Bebeu até de noite, voltou pra casa e a encontrou fechada. Só aí lembrou-se que tinha mudado. Mas... pra onde? Não se lembrava de jeito nenhum, já que tinha sido levado à casa nova apenas uma vez. Saiu perguntando aos vizinhos:
– Onde é mesmo que eu estou morando?
Muitos acharam que ele tinha ficado gagá de vez, outros diziam: "Veja só o que a cachaça faz com um homem", e só alguns sabiam que ele tinha mudado, mas ninguém sabia pra onde. Bebeu até o último bar do bairro fechar, tentando se lembrar do novo endereço. Saiu andando pelos bairros próximos, sabendo que a casa não era ali, mas procurando boteco aberto para beber o resto do dinheiro. O dinheiro rendeu, até que não havia mais nenhum boteco aberto na região toda.
A família só deu pela falta do Ranoel quando descarregou a mudança, e saiu à sua procura, se espalhou pelas ruas próximas à velha casa, mas ninguém sabia pra onde tinha ido o velho reclamão. Rodaram o velho bairro inteiro e depois alguns outros próximos. Já estavam desistindo, quando Valdinei, finalmente, viu o velho Ranoel abraçado a um poste, bêbado de vez, tarde da noite.
Depois disso, quem quisesse ouvir uns palavrões era só perguntar:
– Ô, seu Ranoel, já achou a sua casa?