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Daniela Thomas fez o filme do ano. "Vazante" expressa o incômodo de um país que não se encaixa em si mesmo. Uma fita que tem a escravidão como ambiente e as diferenças - classe, gênero e etnia - como motor narrativo.
Por Gilberto Maringoni*
"Vazante" começa arrastado e lerdo. Não tem trilha musical e exibe poucas falas, quase guturais, em 100 minutos de projeção. São frases secas e desafetadas. Fixa-se em um meio rural opressivo, da região diamantina, 1821, décadas após a decadência do ciclo do ouro. Cenas de um Brasil estagnado.
Aos poucos, "Vazante" ganha forma e vai sendo montado diante do espectador, com imagens de um ousado branco e preto, a desfiar tédio e violência. Escravos e senhores, negros e brancos, mulheres e homens em uma teia de convivência forçada.
A película não é uma tese, mas a realidade em torno faz dela uma peça interpretativa do país a que chegamos.
Se Jessé Souza afiou uma vertente historiográfica que localiza nossa origem como Nação na brutalidade escravocrata, Daniela Thomas escancara essa percepção como uma chibatada na cara. E com talento para tornar a lambada dolorida e silenciosa.
Corra ver. Está em apenas dois cinemas de São Paulo.
*Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. É também jornalista e cartunista.