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Os banheiros da FAU-UnB fedem...
Por Ricardo Trevisan, Patrono da turma de formandos do 2º semestre de 2017 (10 Abril 2018)
Boa noite a todos!
Ao cumprimentar a excelentíssima reitora Márcia Abrahão (aqui representada pela decana de Pesquisa e Inovação Maria Emília); cumprimento igualmente os representantes do IAB e do CAU – nossos parceiros –; cumprimento calorosamente os demais colegas professores e técnicos administrativos aqui presentes, com quem compartilho essa homenagem pois a FAU-UnB se faz coletiva.
Cumprimento os familiares, as companheiras e os companheiros, os amigos de nossos formandos. A todos vocês pelo apoio ao percurso de cada um deles nos últimos 5, 6, 7, 8... anos de faculdade, obrigado por nos ajudarem.
Por fim, saúdo os verdadeiros homenageados dessa noite, as formandas e os formandos do 2º semestre de 2017 da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.
Parabéns a cada um dos 62 formandos por essa conquista. E obrigado por me conceder a honra de ser Patrono nesse momento muito particular de minha vida. Como devem saber, há 4 meses, eu e meu companheiro somos pais por adoção de duas lindas meninas. Patrono e pai, eu só tenho a lhes agradecer, de coração.
Bom, eu trouxe para esta noite dois discursos: um mais formal, mais professoral, mais conselheiro, escrito há duas semanas; e outro recente, mais emotivo, mais humano, diria mais um manifesto... e foi esse último que escolhi para ler. O primeiro envio por e-mail; o de hoje – mais a cara desse Patrono que vos fala – dei o constrangedor título de: Os banheiros da FAU fedem...
Sim, vocês escutaram bem: os banheiros da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB fedem. Mas já adianto não querer criar nenhum embaraço institucional, muito menos afrontar os que hierarquicamente estão um patamar acima. E todos sabem do meu excelente relacionamento com os que me chefiam, pois os considero não só colegas de trabalho, como amigos. Quero sim, ao atribuir tal título inusitado, chamar, instigar, atrair a atenção de todos aqui, não só dos formandos, dos professores e dos técnicos, como de toda a plateia. Pessoas, os banheiros da FAU fedem... e isso vai além de uma simples constatação.
Sim, nossos banheiros cheiram mal tanto quanto aqueles em fim de festa, mas aposto com as senhoras e os senhores que cada formando aqui presente antes de entrar para a UnB tinha nela um sonho. Quem não queria estudar na FAU-UnB? Eu mesmo, desde minha adolescência em Campinas tinha a UnB como uma das melhores universidades do Brasil. Hoje, temos o sonho realizado por esses formandos, que puderam estudar numa das melhores faculdades de Arquitetura e Urbanismo do país (e para aqueles ainda reticentes a essa ideia, num futuro próximo irão perceber que falo a verdade). Sonho realizado inclusive por mim, ao ingressar
como doutorando em 2006 e como professor efetivo em 2010 pelo REUNI, programa de apoio a planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras de 2007.
Os banheiros da FAU fedem... , mas possibilitaram a nossos alunos, hoje arquitetos e urbanistas, a passar dias e noites, noites e dias estudando, aprendendo, desenhando, crescendo. Um crescimento não apenas intelectual e profissional, mas sobretudo um crescimento pessoal, enquanto indivíduo, enquanto ser humano no seu sentido amplo. Cada um dos formandos aqui presente não é mais aquele adolescente, mas um adulto com
convicções, com ideologias, com capacidade de refletir e questionar a realidade diante de nós e tirar suas próprias conclusões. E isso não apenas com horas e horas de aulas cursadas e trabalhos realizados, suor e muito esforço, mas com um aprendizado que foi para além dos limites do ensino. Um aprendizado que permitiu aos alunos o contato com projetos de pesquisa e extensão das diversas áreas da Arquitetura e Urbanismo, sem mencionar experiências no escritório-modelo CASAS, nos diversos coletivos da FAU, nas empresas júniores Concreta e Muda. Um aprendizado aperfeiçoado com estágios. Um aprendizado que
muitos puderam complementar com intercâmbios em inúmeras faculdades no exterior pelo Programa Ciência sem Fronteiras, praticamente extinto em 2017 após a tomada do poder pelo governo que ocupa o Palácio do Planalto atualmente.
Os banheiros da FAU fedem... , mas são muito democráticos pois atendem a todos aqueles que frequentam diariamente a ala norte do ICC. Tão democrático quanto a diversidade socioeconômica dos alunos que entraram nos últimos anos na FAU-UnB. Como coordenador da graduação e professor em disciplinas do curso noturno, pude ver a revolução proporcionada pela política de cotas e por todas as novas formas de ingresso na universidade pública. Para aqueles que já estão torcendo o nariz com esse meu discurso-manifesto ou se mexeram desconcertados em suas cadeiras, cautela, muita cautela. Sim, por vivência e
convivência com alunos nos últimos anos pude averiguar a mudança no perfil dos discentes que entravam a cada semestre pela minha sala de aula. Sim, alunos da periferia, das margens, do Entorno, que antes eram raros, minguados, hoje são uma parte considerável de nossos alunos e eles dão conta muito bem do recado (pois como bem sabem meus alunos, meu nível de exigência é lá em cima). Sim, as universidades federais abriram suas portas a todos e a todas, dando chance àqueles que antes viam sua vida educacional parar no ensino médio de continuarem, de terem uma possibilidade de melhorar a condição de vida de seus familiares
mediante seus estudos. Sim, nossos banheiros fedidos não fazem distinção de classes, pois como já disse, nossos banheiros fedidos são democráticos.
Os banheiros da FAU fedem... pois a maioria de nós, de classe média, classe média alta temos como referência os banheiros de escolas particulares, os banheiros de shopping, os banheiros dos aeroportos, ou os banheiros das universidades privadas sempre tão limpinhos.
Mas a realidade de nossos banheiros é dura e crua, tão nua e direta que nos desvia, nos atrai e nos repulsa dela própria. Tenho a lhes dizer que infelizmente tais banheiros farão parte por mais décadas e décadas de nossas vidas, daqueles que se empenham a cada dia em educar e a trabalhar pela formação dos futuros profissionais de arquitetura e urbanismo de Brasília, do Distrito Federal, do Brasil e, quiçá, do Mundo. Trabalharemos sem perspectivas de um fim tranquilo e repousante, pois sabe-se lá quando iremos nos aposentar.
Os banheiros da FAU continuarão a feder... pois, apesar de todos aqui concordarem que a Educação deva ser o caminho para o futuro de nosso país, na hora de nós professores, servidores, alunos reivindicarmos melhores condições (salário, infraestrutura, recursos, bolsas etc.), a grande mídia entra em cena e com um golpe rápido arrebanha a opinião pública para nos taxar de: vagabundos, de desocupados, de baderneiros.
Que país que exige um futuro próspero, posiciona-se contra toda ação reivindicatória daqueles envolvidos e comprometidos com a educação? Que país almeja-se desenvolvido se sucateia suas instituições de ensino?
Sim, nossos banheiros da FAU fedem e são e serão nossos locais de resistência hoje e sempre. Resistência por uma universidade pública, de qualidade e para todos, resistência pela diversidade, resistência pelos direitos trabalhistas, resistência por um país mais igualitário, inclusivo e justo.
E para vocês, meus caros formandos, os miasmas provenientes dos banheiros da FAU agora fazem parte de sua memória. Peço desculpas, em nome de todo corpo docente e de nossos queridos servidores, por não ter lhes dado condições físicas melhores de estudo. Mas saibam que levam de nós algo mais valioso, a nossa Alma Mater, a alma que os formou e os educou. E isso me deixa esperançoso frente ao momento nebuloso de nossa história. Esperançoso em saber que transmitimos a mensagem a cada um de vocês; esperançoso em saber da ética e dos princípios repassados a todos vocês nesses anos de formação. E, independente do
posicionamento ideológico, de qual lado defendem nesse mundo estupidamente polarizado, saibam que foi a sociedade que pagou pela formação de vocês e é para ela que devem retribuir e agir, seja qual for o caminho que decidirem por trilhar, LEMBREM DISSO!
Os banheiros da FAU fedem... , não mais que o momento político no qual nos encontramos.
Obrigado.