LULA E CONCURSADOS
Por Marcelo Uchôa, especial para o blog Maria Frô
Comemoro bela reflexão do ilustre jurista, professor Wilson Ramos Filho, da UFPR, vide matéria "Dellagnol faz parte de uma seita, diz jurista curitibano".
Não vejo razões para não minimizar os efeitos do comentário do ex presidente Lula, acerca da atuação de servidores públicos, em seu discurso à nação, no dia posterior ao show de mídia patrocinado pelos procuradores da república responsáveis pela Lava Jato, espetáculo jurídico bizarro, excepcionalmente bem resumido na expressão "não tenho provas, mas tenho convicção", pelo excesso de retórica e o absurdo senso de irresponsabilidade com a aplicação do Direito e a justiça.
Até reconheço que o ex presidente Lula pecou ao não aclarar melhor seu pensamento numa colocação pontual, frise-se, em discurso improvisado de 1h. Porém, quem o assistiu, sabe bem que sua fala teve endereço certo, que seu objetivo foi dizer que procuradores da república, como os da Lava Jato, ou um juiz, como o Moro, apenas porque passam num concurso público (ressalve-se o mérito individual de cada um, mesmo em cenário de aviltantes desigualdades de oportunidades entre os concorrentes) estão redondamente equivocados ao acreditarem que no exercício de suas funções podem tudo, inclusive esquecer a Constituição, ignorar a lei.
Ora, se até os políticos, que têm que "pôr a cara a tapa" à população, em eleições periódicas, devem respeito à ordem jurídica, por que não os agentes do serviço público, ainda mais os burocratas integrantes da aristocracia judiciária, cuja devoção ao ordenamento deveria ser ainda maior? Em resumo, todos devem respeitar a lei: políticos, servidores públicos, todos!
Quem acompanhou o discurso do ex presidente Lula, entendeu o contexto em que ele quis desenvolver seu raciocínio. É evidente, por outro lado, que os adversários dessas afirmações, na tentativa de desviarem o foco do real problema, irão manter sempre a falsa retórica de que o ex presidente ofendeu aos servidores públicos. Uma pena, porque foi ele o mandatário nacional que mais abriu vagas (e valorizou carreiras) no serviço público federal, na história do Brasil, os dados estão aí para provar - depois dele, só a presidenta Dilma foi tão expressiva. Só no sistema de justiça foram milhares, distribuídos dentre juízes federais, do trabalho, no ministério público, geral e especializado, na procuradoria e advocacia da União, na Defensoria Pública federal, além dos cargos de servidores em todos esses órgãos, para não citar os órgãos de polícia federal e polícia rodoviária federal, dentre delegados e agentes federais. Na educação, outros milhares, dentre professores e servidores tecnico-administrativos de 12 novas universidades, duas centenas de Institutos Federais de Ciência e Tecnologia, e por aí vai.
O que é mais lamentável em toda essa polêmica, é ver que muitos dos concursados, que ontem erradamente bateram panela, que entraram no serviço público exatamente porque o ex presidente Lula abriu vagas, pelo jeito, continuam querendo persistir no erro. No final, serão os maiores prejudicados, porque o governo golpista que aí está, já vem dando sinais de que logo corroerá vencimentos e proventos públicos, com ausência de reajustes salariais e superveniência de impactos inflacionários. Suspenderá, também, novos concursos, e, quando não privatizar estatais, incrementará regimes de PDV, aumentando, em muito, a sobrecarga de serviço nas empresas e repartições do governo.
Entendam, de uma vez por todas, os críticos do ex presidente Lula, que o Brasil retornou à era do "regime laboral FHC", ao tempo do "empreendedorismo", dos food truck, dos uber, do boom das palestras de marketing de liderança, da literatura de ficção de como "ficar multimilionário" num mercado competitivo. Sem querer desprestigiar aqui, ou diminuir o valor, de qualquer modalidade de empreendedorismo, fato é que acabou-se o tempo do emprego convencional, do emprego público, da segurança no trabalho. A partir de agora, haverá o "salve-se quem puder", o cada um por si. Quem sobreviveu a FHC sabe bem o que é isto.
O ex presidente foi preciso em sua fala, ao rememorando Brecht, deixar subentendido que o pior analfabeto é o analfabeto político. Nessa linha, recomendo leitura de texto que escrevi, meses atrás, acerca das ações dos burocratas da aristocracia judiciária no Principado de Curitiba, "Ministério Público: verdade dogmática versus verdade factual", pois toca em ponto atualíssimo e relacionado à polêmica em curso.
*Marcelo Ribeiro Uchôa é advogado e Professor Doutor de Direito/UNIFOR
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