A jornalista Daniela Novais relata os desmandos da PM baiana em sua cidade, Abaíra: deficientes intelectuais são agredidos, na zona rural camponeses embriagados são espancados, menores apanham, além de policiais à paisana ameaçarem de morte aos berros pessoas nas ruas.
De acordo com a jornalista há uma prática não explicitada de PMs que cometeram ilegalidades e mesmo crimes serem deslocados para cidades menores. Há um relato de um PM que matou uma pessoa em Feira de Santana e foi transferido para Abaíra. Lá prosseguiu com arbitrariedades, agredindo tantas pessoas na cidade que foi novamente transferido. São policiais que desrespeitam as normas legais e agem como coronéis fardados ou à paisana.
Na reportagem a seguir especial para o Maria Frô, Daniela relata mais uma caso de arbitrariedade que ao menos desta vez não ficou sem denúncia formal. A jornalista esclarece ainda o que um policial pode ou não fazer durante uma abordagem.
Réquiem para a segurança em Abaíra
Por Daniela Novais, especial para o Maria Frô
Estamos em Abaíra, município baiano, encravado no Parque Nacional da Chapada Diamantina, com população de 8.316 habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Esta população está à mercê dos policiais militares que atuam no município, que agem totalmente na contramão dos direitos humanos e do bom exercício de suas funções enquanto Policiais Militares. Exemplo disso são as constantes agressões a cidadãos, fora de ocorrências policiais. Pior ainda é quando, fardados, agem para se “vingar”.
Neste sábado, 30 de julho de 2016, o vendedor Wilson Souza e Silva foi mais uma vítima. A diferença é que, desta vez, houve testemunhas e a vítima passou por exame de corpo de delito, comprovando as lesões que sofreu. Em seguida, foi à Delegacia Municipal registrar o ocorrido, quando das outras vezes em que cidadãos foram agredidos sem motivo por policiais militares, as vítimas tiveram medo de denunciar.
A vítima Wilson Souza e Silva.
Quando Wilson chegou à delegacia, uma multidão se aglomerou, alguns apoiando Wilson, outros aproveitando para protestar contra os PMs. No início, esta jornalista foi impedida de entrar para colher as informações, mas após muito diálogo principalmente alegando o cerceamento da liberdade de imprensa, pude fazer meu trabalho.
Agressão – Segundo consta no boletim de ocorrência, pela manhã deste sábado, Wilson, estando em horário de trabalho, foi à Avenida Moreira, quando a PM o abordou e pediu que descesse da moto. Ao descer, sem dar explicação nenhuma, o PM Marcelino Lisboa de Oliveira Souza o espancou com socos, ao ponto de sangrar-lhe o nariz. Ele conta ainda, que a dor sentida foi tanta, que ele se urinou. É importante registrar que a moto usada na sexta era particular e a que deste sábado é da empresa onde Wilson trabalha e foi recolhida e enviada para Seabra, mesmo estando totalmente legalizada.
PM agressor:: Marcelino Lisboa de Oliveira Souza
A vítima relatou que, ao fim da sessão de espancamento, Lisboa teria declarado “Isso foi por ontem”. A vítima explicou que na noite de sexta, 29 de julho, ele estava passeando com sua moto na região da Praça de Eventos, quando o PM, à paisana, sacou uma arma e o ordenou que descesse da moto. Ele não obedeceu, segundo conta, devido à ausência da farda e ao medo do que um homem armado poderia querer pará-lo. “Ontem eu não parei, porque ele estava sem farda. Hoje eu me senti humilhado. Estava trabalhando e não tem nenhuma irregularidade comigo ou com a moto. Isso só aconteceu porque ontem eu não parei para ele, que estava sem farda, porém armado. Quem se sentiria seguro?”, assevera.
Para Cleriston Costa e Silva, advogado de Wilson a ação, além de não autorizada, foi desproporcional. “A abordagem foi totalmente desnecessária, pois não houve comando algum para isso. Além disso, nada justifica a desproporcionalidade da abordagem, ainda que meu cliente tivesse cometido algum ato delituoso. Trata-se de um trabalhador, que inclusive estava em horário de trabalho no momento do feito”, afirma.
Alegando não trabalhar no setor de comunicação da PMBA, Lisboa não quis dar entrevista.
A mãe de Wilson, Sra Creusa Souza e Silva, teve uma alta de pressão devido ao nervosismo de toda a situação, o que a levou ao hospital, de onde já foi liberada.
Outros casos – Três pessoas que preferiram não se identificar relataram que há alguns meses, eles foram abordados pelo mesmo Lisboa, mas desta vez em companhia de outros colegas. Todos estavam à paisana e no carro particular de um deles, que já foi transferido desta comarca, mas ainda reside na cidade e vale comentar que estava inclusive na delegacia hoje pela manhã, agindo como se de bermuda e camiseta regata estivesse a trabalho.
Outro cidadão, que também não quer se identificar, relatou 3 abordagens desnecessárias e violentas, sendo uma inclusive com direito a invasão de propriedade, já que não tinham mandado algum.
Além destes, esta jornalista que vos fala já foi abordada 2 vezes na rua, mas não houve problemas, porque o que ficou patente para quem estava presente, é que o soldado que a abordou não conhecia tanto de leis quanto esta humilde escriba e nada pode fazer contra mim. Em uma segunda tentativa dele, eu fui “convidada” à delegacia por conta de relatos que fiz no meu facebook, sobre uma outra abordagem irregular. A única coisa que fiz foi reiterar cada palavra, printar e repostar, uma vez que ficou patente quem tinha razão.
Pacto pela vida – A Polícia Militar da Bahia atualmente utiliza o slogan “Pacto pela Vida” e defende como missão e visão “Preservar a ordem pública e, como tropa de reação do Comando Geral, ser especialmente instruída e treinada para as missões de exigência técnica especial ou de alto risco, bem como de apoio a outras Unidades Operacionais”. Já os valores defendidos pelo comando da PMBA são “Dignidade Humana, ética, disciplina, profissionalismo, honra, coragem e determinação. Precisamos comentar sobre o “servir e proteger”, slogan que fica ostentado em algumas fardas?
Já a premissa básica da ação policial militar é exatamente a Proteção e o dever dos Policiais militares é ainda mis interessante perante o ocorrido: preservação e restauração da ordem pública, protegendo vidas, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, na forma da lei.
Alguém da corregedoria da PM explique ao Lisboa e a outros PM’s que atuam nessa região que o Lema da corporação onde ele trabalha e a quem deve satisfações é: “Vencer sem a necessidade de lutar, mas se ocorrer a ação, que seja meu guia a LEGALIDADE, meu instrumento a TÉCNICA e meu objetivo a PROTEÇÃO. Pela ordem e pela paz!” Tudo que eles não seguem aqui nesta pequena cidade que pode dar adeus ao sonho de segurança, diante de uma polícia que, em vez de proteger, ataca. Oremos!
Abordagem policial: direitos e deveres – O Conselho Estadual de Defesa dos Diretos da Pessoa Humana (Condepe) em São Paulo lançou a cartilha "Abordagem Policial", com orientações sobre o que pode e o que não pode ser feito por agentes de segurança durante procedimentos de abordagem.
Segue para conhecimento de quem pretende estar seguro em Abaíra. Os Policiais também fiquem à vontade para ler e aprender um pouco sobre os trabalhos que esta escriba ousa ser assertiva aos dizer: diante da falta de conhecimento das leis e decretos que norteiam o trabalho de vocês, voltem para as aulas de como ser um bom PM. Isso é tudo que vocês não têm sido, apesar de denotarem gostar do que fazem. Se gostam tanto, honrem a farda ou podem ficar sem ela...
Abordagem policial: o que pode e o que não pode ser feito
- Um policial pode fazer revistas dentro de qualquer casa?
Para entrar na casa de alguém, o policial civil ou militar precisa ter um mandado de busca e apreensão assinado por um juiz. Sem o documento, somente em situações excepcionais.
- Quais são as situações em que o policial pode entrar se não tiver o mandado judicial? O policial pode entrar em uma casa se estiver perseguindo alguém que acabou de cometer um crime; para prestar socorro em casos de desabamento, incêndio, desastres ou se alguém passar mal; ou se ele tiver certeza de que a casa guarda drogas, arma de fogo ou produtos roubados ou furtados. Se não encontrar nenhum desses itens, o agente deve responder por abuso de autoridade.
- O policial pode revistar uma pessoa na rua?
As buscas pessoais podem ser feitas caso o policial suspeite que alguém esteja portando arma ou droga. A pessoa deve ficar com as mãos para o alto durante a revista.
- Qualquer pessoa pode ser revistada?
O policial precisa ter algum indício que justifique a suspeita. Ele não pode parar alguém por estar na periferia, pela cor da pele, orientação sexual, gênero ou pela forma como está vestido.
- Como os policiais devem proceder em revistas pessoais?
O policial não pode gritar ou xingar a pessoa que está sendo revistada. Também deve tratar respeitosamente familiares que se aproximam para pedir informação sobre o ocorrido. Caso contrário, o agente pode incorrer em injúria ou abuso de autoridade.
Nota do editor: também não pode espancar, bater ou ir de arma em punho.
- Mulheres também podem ser revistadas?
As revistas devem ser feitas por policiais femininas. Caso não tenha uma por perto, o policial pode realizar o procedimento, mas é proibido passar as mãos em partes íntimas, configurando crime de ato libidinoso e abuso de autoridade.
- Um policial pode usar da força para fazer a revista?
Se o policial ameaçar ou bater em alguém para obter uma confissão, ele está cometendo crime de tortura. Um agente também não pode mandar a pessoa sair correndo sem olhar para trás no fim da revista, nem mandar a pessoa tirar a roupa em local público.
- Uma pessoa pode ser detida por não portar documento?
O recomendado é que todos andem na rua com documentos de identificação, mas ninguém pode ser preso por estar sem. Nesse caso, a pessoa deve informar nome do pai, da mãe e data de nascimento. As informações são necessárias para que o policial verifique se o suspeito é foragido da Justiça.
- A pessoa deve responder todas as perguntas feitas pelos policiais?
Ninguém é obrigado a informar de onde vem, para onde vai, se tem antecedente criminal ou se conhece determinada pessoa.
- Qualquer um pode ser algemado por um policial?
As algemas só devem ser usadas para presos em flagrante ou foragidos da Justiça. Algemar por outro motivo é abuso de autoridade.
- Policiais podem realizar revistas em automóveis?
Sim, o procedimento deve ser o mesmo das revistas pessoais. O condutor também deve acompanhar o procedimento.
- Qual o procedimento, caso a pessoa seja encaminhada a uma delegacia?
Ela deve ser apresentada ao delegado de polícia, que é responsável por tudo o que acontecer a ela nas dependências do Distrito Policial. Caso seja agredida, o delegado pode responder por crime de tortura. Os policiais também não podem exigir dinheiro por se tratar de crime de concussão.
- O policial pode atuar anonimamente?
Não, todo policial deve estar identificado e, quando solicitado, precisa apresentar sua carteira funcional.
*Daniela Novais é jornalista – DRT-BA 2550