E o desmonte do golpe prossegue, Cristiano Passos, ex coordenador geral de educação ambiental no MEC, escreve sobre o anúncio do governo golpista em acabar com a política educacional na área de Educação Ambiental. Que escola os golpistas querem? Uma escola onde o povo se submeta aos desmandos da Vale privatizada que matou o Rio Doce, destruiu Bento Rodrigues e chegou contaminando e destruindo tudo até o Espírito Santo. Uma escola que coloca em risco nossa própria sobrevivência como espécie.
A quem interessa o fim da educação ambiental nas escolas?
Por: Cristiano Cezar de Oliveira Passos*
A atual gestão do Ministério da Educação, golpista e reacionária, planeja acabar com a instância responsável pelas relações entre educação e meio ambiente nas escolas: a atual Coordenação-Geral de Educação Ambiental.
Um governo ilegítimo que tem como marca, o ataque aos direitos conquistados e o total desrespeito à democracia, logo imprimiria sua visão de mundo também na política de educação ambiental, como já vem fazendo em tantas outras pastas. Esse ato, se consolidando, retrocederá a gestão em mais de 40 anos, já que desde 1973 a educação ambiental está instituída nas estruturas do governo federal, com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), uma primeira iniciativa que visava sintonizar a agenda ambiental brasileira com a importância que o tema começava a ganhar no âmbito internacional. Com o discurso fortemente conservacionista, que apartava sociedade e meio ambiente, a ditadura civil-militar iniciou na década de 1970 projetos para apoiar a inserção da temática ambiental nos currículos escolares dos antigos 1° e 2° graus. Ao mesmo tempo o país do “Ame-o ou deixe-o” massacrou, dentre outros, seus povos originários e camponeses, como revelou a Comissão Nacional da Verdade, e transformou o desmatamento, a mineração e a construção de estradas e usinas hidrelétricas em negócios rentáveis para as multinacionais, os bancos e os políticos que apoiavam o golpe de 1964. Aliás, muitos desses, não por acaso ainda estão por ai nas entranhas dos poderes legislativo, executivo, judiciário e midiático. Contraditório? Talvez não.
Através da Lei nº 6.938 de 1981 (vigente) foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente que traz nos seus princípios a necessidade de incluir “a educação ambiental em todos os níveis de ensino objetivando a participação ativa na defesa do meio ambiente”. Na mesma direção a Constituição Federal/1988 estabeleceu, no artigo seu 225, a necessidade de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Cabe destacar que até esse momento no âmbito dos marcos legais, a educação ambiental pouco dialogava com o campo dos direitos e do necessário enfrentamento das injustiças e violações de direitos atreladas às questões ambientais, mas enfim, essa não era uma marca apenas da educação ambiental, pois sabemos que toda a América Latina estava mergulhada no obscurantismo e na repressão. No mesmo período a organização popular dos povos da floresta, dos povos originários e dos sem-terra avançava em um campo de forte diálogo entre novos projetos societais e suas relações com o meio ambiente, a soberania alimentar e os direitos humanos.
Na década de 1990, período ainda marcado pelas fortes articulações resultantes da Conferência das Nações Unidades sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como Rio 92, foi instituída, através da Lei nº 9.795 de 1999, a Política Nacional de Educação Ambiental (vigente). Trata-se de um importante instrumento legal, ainda marcado pelo olhar conservacionista, mas com avanços em seus princípios, pois já delineia uma concepção do meio ambiente que considera “a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade”, bem como suas relações com o mundo do trabalho, além de compartilhar a responsabilidade entre governos e sociedade para garantir a implementação da política em questão.
No Governo Lula, finalmente a Coordenação-Geral de Educação Ambiental, criada em 1991 e empurrada para vários cantos no MEC, encontra seu lugar na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) junto à educação em direitos humanos, à educação escolar indígena, à educação do campo, à educação quilombola, à educação especial na perspectiva inclusiva, à educação de jovens e adultos, à educação para as relações étnico-raciais e às políticas de educação para a juventude.
Nesse período as pautas da educação ambiental permearam diversas conferências setoriais e arranjos institucionais em âmbito federal, estadual e municipal. Instâncias responsáveis pela educação ambiental dos governos e da sociedade civil começaram a se articular em âmbito local e nacional através do Orgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, dirigido pelos Ministérios da Educação e do Meio Ambiente. Ao mesmo tempo o governo federal, através do MEC, começou a financiar programas permanentes de formação continuada de professores em educação ambiental, apoiar projetos de escolas de educação básica, extensão universitária e publicações.
Em 2012, o acúmulo de quase quatro décadas finalmente permitiu ao Ministério da Educação em conjunto com o Conselho Nacional de Educação elaborar e homologar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental - Resolução CNE nº 02/2012. Um marco de referência que coloca a educação ambiental em relação direta com “a consciência crítica sobre a dimensão socioambiental; a participação individual e coletiva; o exercício da cidadania; a cooperação entre as diversas regiões do país visando à construção de uma sociedade ambientalmente justa e sustentável; a integração entre ciência e tecnologia visando à sustentabilidade socioambiental; a autodeterminação dos povos e a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as culturas, como fundamentos para o futuro da humanidade; a justiça econômica, a equidade social, étnica, racial e de gênero e os conhecimentos dos diversos grupos sociais formativos do país que utilizam e preservam a biodiversidade”.
Hoje, olhando para um marco legal com esses objetivos, pronto para ser trabalhado nas escolas de todo o país, fica claro porque um governo com as feições do atual quer desmontar mais essa política. Acabar com o suporte à educação ambiental nas escolas públicas é ignorar completamente o desafio civilizatório que está colocado para a nossa sobrevivência enquanto espécie, bem como privar a população brasileira de conhecer e debater desafios emergentes como os impactos causados pelas mudanças climáticas em nossas vidas, a persistência da fome e de miséria mesmo com tantos avanços tecnológicos, os desequilíbrios ambientais provocados pelo atual modelo de produção e consumo, os lastimáveis níveis de saúde ambiental que boa parte da população brasileira ainda está submetida, a indefensável desvalorização dos conhecimentos dos povos e comunidades tradicionais e originários que constituem o nosso tecido social, a alarmante crise hídrica, os diversos crimes ambientais como os provocados pela indústria da mineração no Vale do Rio Doce e etc.
A quem interessa a extinção dessa política pública de educação?
*Cristiano Cezar de Oliveira Passos: Educador, Ex Coordenador Geral de Educação Ambiental no MEC – Governo Dilma