LULA E GUILHOTINA
Por Marcelo Uchôa, especial para o blog Maria Frô
Por fim chega a semana em que a massa ignara, anestesiada pelo coro alienante da grande mídia, poderá assistir ao constrangedor episódio de prestação de depoimento do ex Presidente Lula à Justiça paulista. Um expediente que se dará em audiência de caráter nitidamente intimidatório, produto de um processo judicial vexatório patrocinado por um membro do Ministério Público, dublê de bom samaritano, há muito conhecido da própria Justiça, pelos arroubos de insensatez e o excessivo cometimento de arbitrariedades.
A semana em que o Brasil poderá ver um ataque indigesto ao maior brasileiro de todos os tempos, que apesar das inúmeras adversidades que a vida lhe impôs saiu-se vencedor pela integridade de sua luta e coerência de caráter. O Lula da Silva, que de retirante nordestino a operário do ABC paulista, tornou-se o maior e mais importante sindicalista do mundo. Que de destacado sindicalista à importante liderança política, gestou um dos mais sólidos e idealistas partidos políticos de esquerda do planeta. Que de dirigente partidário à presidente da República, resgatou 30 milhões de conterrâneos da linha de miséria absoluta, consagrando-se como referência única de estadista, admirado em mais de uma centena de países, paparicado como "o cara" pelos mais influentes Chefes de Estado da atualidade, com mérito "honoris causa" reconhecido por dezenas das mais tradicionais academias universitárias mundiais.
O mesmo Lula que, há pouco mais de seis anos, deixava o Palácio do Planalto consagrado nos braços do povo, por haver agregado ao Brasil um ritmo de desenvolvimento econômico inusitado, distribuindo, sobretudo às populações mais vulneráveis do país, um pouco de dignidade humana. O presidente do Bolsa Família, do Pré-Sal e das novas refinarias, do resgate da indústria naval, das novas universidades e institutos federais tecnológicos, do Prouni, do Fies, dos concursos públicos, do Minha Casa Minha Vida, do Luz para Todos, do Farmácia Popular, das UPAS, da transposição do Rio São Francisco, da Transnordestina, da Ferrovia Norte Sul, do primeiro brasileiro no espaço, do Brasil credor do FMI, líder do G21, do BRICS, do país da Copa do Mundo, das Olimpíadas. O presidente que resgatou a esperança de dias melhores, que levantou a autoestima da nação, dando aos brasileiros a satisfação de sentir-se mais importante no mundo, pela primeira vez, por razões não esportivas.
A tentativa de incriminação de Lula, forçada a todo custo pelos “triplex de 80 m2”, pelos “barquinhos de alumínio”, pelas “chácaras de fim de semana”, etc, é contra Lula e contra tudo isso que ele agregou ao país. Contra ele, pelo preconceito, o engasgue de ter que admitir que não foi um branco rico letrado, mas, sim, um Silva operário pobre, retirante nordestino, que revigorou o país. E contra tudo o que agregou, única e exclusivamente porque o Brasil estava encontrando o seu caminho de prosperidade, estava prestes a consolidar, no presente, o futuro historicamente prometido, mas jamais materializado.
Se erros podem ser atribuídos ao ex Presidente Lula, um deles, sem dúvida alguma, foi acreditar que seria possível governar contemporizando interesses da classe trabalhadora e da elite aristocrática. Infelizmente, a história recente do país provou que a luta de classes não permite meio termo. Jamais seria suficiente para os yuppies do mercado financeiro (em outros períodos da história, senhores de engenho, mineiros do ouro, barões do café) lucrar solidamente com a especulação bancária, seria preciso deixar o povo no seu devido lugar de pobreza, na periferia do Estado. Cidadania, jamais!
Outro equívoco foi subdimensionar o risco que princípios como “liberdade de imprensa” e “liberdade de expressão” poderiam causar ao processo democrático. Liberdade alguma pode se confundir com autoritarismo, porque direito algum a liberdade pode ser interpretado de maneira absoluta. Quando os veículos de comunicação de um país se concentram em monopólios privados, com interesses comerciais e financeiros como os de qualquer instituição bancária, não há como garantir-se que a informação seja distribuída de maneira isenta. Apenas um controle social e a quebra do monopólio poderiam evitar as distorções que permitiram e continuam permitindo, p. ex, que uma Globo, uma Veja, uma Folha digam o que bem querem, sem qualquer responsabilidade com a verdade.
Um terceiro erro foi negligenciar o robustecimento do Judiciário e do Ministério Público, tolerando, pari passo, o enfraquecimento do Executivo e do Legislativo, face os argumentos de corrupção administrativa e de falência moral parlamentar. Entregar para a atividade judiciária e ministerial o controle da atividade política significa delegar a pessoas sem legitimidade (via voto), não raramente, sem qualquer afinidade com o jogo democrático, a responsabilidade pela condução das incógnitas sociais que apenas o debate amplo e aberto pode resolver. A alegação do critério da meritocracia para justificar a intervenção desmedida de juízes e membros do ministério público nos processos políticos chega a ser perniciosa, pois há prejuízos imensuráveis para democracia quando se deixa de interpretar o mundo pelo idealismo, para interpreta-lo segundo a letra fria dos vade mecum.
É importante que se saiba, neste momento, que são pessoas que, muito provavelmente, nunca fizeram movimento autêntico de classe, jamais leram poemas de Bertold Brecht em praça pública, não participaram de manifestações sob mira policial, sequer discursaram alguma vez inflamadamente diante de públicos hostis; são burocratas concursados, alienados politicamente e abduzidos pela midiatização dos grandes grupos de comunicação, que estão, sob pretexto de “salvar” o Brasil (salvar para quem?), brincando de fazer política, e escoltando à guilhotina o ex Presidente Lula.
Que trabalhadores, pobres e explorados, em geral, deste país abram os olhos, pois não é possível que não haja uma confrontação radical e impetuosa contra essa tentativa descarada da elite reacionária nacional de enlamear a biografia mais extraordinária já construída por um brasileiro em toda história do Brasil, para, em ato contínuo, enterrar em cova rasa tudo o que de bom foi conquistado neste país, nos últimos quase 15 anos.
*Marcelo Uchôa é advogado e professor doutor em Direito/UNIFOR
Marcelo Uchôa: Lula e a Guilhotina
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