O golpe avança: PT e esquerda precisam se reorganizar
Julian Rodrigues* (especial para o Maria Frô)
Há um certo consenso nos meios de esquerda e progressistas de que houve um golpe judiciário-midiático-parlamentar no Brasil. Também não se duvida do caráter regressivo das medidas propostas pelo governo golpista de Temer.
Mas, na prática, a “ficha não caiu” ainda para grande parte da militância do PT e da esquerda brasileira. A dinâmica do golpe não foi compreendida em toda sua plenitude, muito menos tiramos as decorrências do é um “estado de exceção”.
Claro que o caráter sofisticado desse golpe, sem tanques nas ruas, construído paulatinamente (cuidando das aparências, lastreado na mídia e no judiciário) dificulta a compreensão do que está em jogo. Não é simples perceber até onde as classes dominantes estão dispostas a ir para alcançar seus objetivos.
Salta aos olhos, contudo, como as politicas conciliatórias, a moderação programática, as ilusões com o Estado, a crença no caráter “republicano” da burguesia, e, sobretudo a falta de formação política fizeram um buraco gigante na militância do PT e da maioria da esquerda. Boa parte do petismo (incluindo a direção) não absorveu a gravidade do processo em curso e muito menos tirou as decorrências lógicas de uma nova conjuntura, de golpe.
A derrubada da democracia no Brasil está relacionada a uma brutal ofensiva da direita em toda América Latina. Dos golpes em Honduras e Paraguai, passando pelo ataque sistemático ao governo de Maduro na Venezuela até a vitória do ultraliberal Macri na Argentina.
Isso para não mencionar a crise global do capitalismo, a situação grave da Europa, o drama dos refugiados, a tensão crescente no Oriente Médio, as escaramuças com a Rússia, a eleição nos EUA - polarizada entre um neofascista e uma candidata do establishment imperialista.
O golpe no Brasil tem uma dimensão geopolítica global. Trata-se de golpear os BRICs e qualquer tentativa de contraposição à hegemonia dos EUA, e, ao mesmo tempo, possibilitar que as grandes petroleiras norte-americanas se apropriem das reservas bilionárias do pré-sal.
Ao mesmo tempo, o golpe visa a desmontar o embrião de estado social no Brasil, bem como os direitos trabalhistas, aumentando a margem de lucro dos empresários e mantendo a remuneração dos super-ricos, que vivem dos juros altos.
Um novo ciclo
O golpe é um processo. E tem objetivos ambiciosos. Trata-se de impor uma hegemonia conservadora e ultraliberal no Brasil pelos próximos vinte anos, pelo menos.
A restrição das liberdades democráticas já está em curso, com a repressão das PMs aos movimentos sociais e as arbitrariedades do Ministério Público-Judiciário.
A “operação Lava-Jato” é uma expressão orgânica do papel do judiciário no golpe e atual novo “estado de exceção”. Uma operação partidarizada, gestada nos EUA, que não segue o marco legal brasileiro e visa destruir o PT e prender Lula.
A vitória eleitoral da direita nas eleições municipais permitiu que o governo golpista acelerasse a aprovação de seu programa no Congresso Nacional. Em poucos dias, o pré-sal foi entregue e a PEC-241, verdadeira “des-constituinte”, que destrói as políticas sociais, caminhou rapidamente.
A direita não deu um golpe para entregar o governo para nós daqui a pouco. Só haverá eleições presidenciais em 2018 se Lula estiver fora da disputa ou se o PT e a esquerda estiverem aniquilados.
A própria permanência do medíocre Temer na presidência está condicionada à efetivação das reformas neoliberais radicais. Caso contrário, a mídia, o PSDB, os banqueiros e os super-ricos tiram o marido de Marcela e colocam na presidência alguém mais comprometido com sua agenda, ainda em 2017.
Reorganizar a esquerda
O desmonte das políticas sociais acontece em ritmo alucinante. A repressão às mobilizações e a criminalização dos movimentos sociais avança a passos largos. A prisão do maior líder popular brasileiro é uma questão de dias ou semanas.
Parte da militância ainda tem dúvidas sobre até onde a burguesia irá. Acreditam que eles não teriam coragem de prender Lula, por exemplo. Mas, é o contrário. A interdição/prisão de Lula é parte fundamental do golpe.
E a “lava-Jato” só acaba quando prenderem Lula. Toda essa operação foi construída para isso. É uma articulação golpista nacional e internacional.
Precisamos, portanto, mudar qualitativamente nosso modo de pensar e agir. Não vivemos mais em um regime liberal-democrático. As garantias constitucionais não valem mais.
Portanto, se vivemos em um “estado de exceção” é preciso tirar as consequências dessa análise. Teremos de atuar com outros parâmetros. Menos peso na luta institucional, mais foco na organização de base, na luta de massas.
Precisaremos de medidas de segurança e proteção dos militantes e dirigentes.
Vamos lutar sem nenhuma ilusão com o judiciário, com o ministério público, com a polícia federal, muito menos com as PMs.
O STF já se mostrou sócio do golpe, referendando o impeachment, fazendo vista grossa para as arbitrariedades do Moro, autorizando a prisão com condenação em segunda instância, bem como a invasão de domicílio pela polícia sem mandato judicial.
O desafio é nos preparamos para reagir à escalada repressiva. Com outros métodos, com outras formulações, com novas formas de organização.
Hora de priorizar a organização de base, a formação política, a comunicação, as mobilizações de massa e as greves, parando a produção trazendo a classe trabalhadora organizada para o nosso projeto. Desobediência civil e a denúncia internacional do golpe devem entrar na pauta imediata.
Muda PT
O PT tem maior responsabilidade. Se quiser sobreviver com alguma influência no próximo período, o Partido dos Trabalhadores deve se renovar imediatamente, adotando uma nova estratégia, um novo programa, uma nova forma de organização e elegendo uma nova direção.
Há setores petistas que se comportam como avestruzes, fingindo que nada aconteceu. Ou, pior ainda, há dirigentes que se apegam aos seus cargos e posições, se opondo a qualquer mudança e autocrítica.
A reorganização da esquerda brasileira passa pela Frente Brasil Popular, pela Frente Povo Sem Medo, por uma aliança eleitoral entre PT-PCdoB-Consulta Popular-PCO-Psol-PDT, mas, sobretudo pela RECONSTITUIÇÃO do PT como partido orgânico da classe trabalhadora, com uma estratégia rupturista e com um programa democrático-popular.
A mudança do PT é importante para o conjunto da esquerda, que deve incidir nesse processo de debates do partido. Intelectuais, movimentos, lideranças, ativistas, a todos os progressistas interessa esse processo de reorganização do PT.
A proposta que ganha apoio na militância petista é realizar, em março-abril um Congresso Nacional do partido, com plenos poderes para mudar a estratégia, o programa, a tática e eleger uma nova direção. Sem o nefasto mecanismo do PED, que só despolitizou os debates e trouxe práticas da direita para dentro do PT.
Um novo PT e uma esquerda reorganizada são condições básicas para reagir e derrotar o golpe neoliberal.
14-10-2016
Julian Rodrigues, ativista LGBT e de Direitos Humanos é militante do PT-SP.
Julian Rodrigues: O golpe avança- PT e esquerda precisam se reorganizar
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