Já perceberam que não há chacinas em Higienópolis, na Vila Madalena, nos Jardins? Lá crimes bárbaros são praticados por filhos que matam seus pais ou são suspeitos de terem feito: em 1988 o crime da rua Cuba, nº 109; em 2002 o praticado por Suzane Richthofen .
Esses crimes das áreas nobres da capital paulista são exaustivamente comentados pela imprensa, reconstituídos, teatralizados, viram livros, enfim, tornam-se histórias que rendem versões em muitas outras narrativas. Mas nunca encapuzados chegam num bar na Avenida Paulista, na Fidalga, na Faria Lima e descarregam seus cartuchos a queima roupa na cabeça de 18 pessoas. Nunca. Chacina é crime contra a vida de pobre, crime na periferia, de gente sem elã, de gente cidadã de segunda, terceira, quarta, quinta classe, sem apelo para narrativas cinematográficas dos parricídios nas mansões praticados por filhos bem-nascidos, sem apelo para merecer do Secretário de Segurança, do governador cuidado com suas vidas.
Os familiares de 18 pessoas assassinadas no intervalo de menos de 2 horas na última chacina de quinta-feira em Osasco e Barueri choram desde então porque se esqueceram de avisar ao ente querido que o secretário de segurança do zap zap mandou recolher-se em casa.
De chacina em chacina vamos morrendo nas periferias e não importa se o sujeito não viu o aviso que circulou no whats app que, naquele dia, ele não poderia sair para tomar cerveja no bar da vizinhança muito próximo a uma escola estadual. Não importa se tem escola, hospital, corpo de bombeiros, Segurança Pública na terra sem deuses das periferias dos grandes centros não existe.
Todos que vivem nas periferias brasileiras sabem que bandido e polícia usam o ‘zap zap’ e sabem que o uso que eles fazem é semelhante porque eles têm práticas semelhantes. Sabem que o comando paralelo do crime e comando paralelo dentro da polícia usam redes como o whats app para ameaçar, para divulgar fotos de tortura e mutilação para que sirvam como uma espécie de pedagogia dos justiceiros. Enfim, parece inacreditável que uma polícia que é uma instituição legal busque na ilegalidade uma tentativa de manter sua autoridade tão abalada por ações nas periferias que não distinguem a morte praticada pelo Estado daquela praticada por aqueles que o Estado combate. Elas não se diferenciam, elas são o mesmo lado da moeda.
E ontem, um dia depois da chacina de Baureri/Osasco, enquanto um Secretário de Segurança institucional completamente impotente corria para as câmaras de tv para dizer que tudo estava sob a mais santa paz do Estado, as pessoas na região Oeste da capital paulista e suas cidades próximas se apressavam pra chegar em casa antes das 22H. E uma quantidade de mensagens, áudios, pessoas que você confia, que tem pai delegado, que tem tio que trabalha na Secretaria da Segurança, que tem parentesco com Deus, ordena em uníssono: vai pra casa! E as escolas, os bares, as universidades foram rareando de gente antes das 21 horas.
Na terra que nunca dorme sua maior universidade cancelou duas festas por falta de quórum. Ontem, a USP experimentou um pouco do cotidiano das periferias brasileiras. Talvez, o fato seja um jeito da cidade que tem Segurança Pública descobrir como é o cotidiano da parte da cidade que o secretário de segurança mora no whats app, não conhecemos o rosto e a voz varia nas inúmeras gravações. Mas a periferia sabe que é melhor seguir o que a voz diz, pois isso pode significar ficar vivo mais um dia.