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José Arbex Júnior, in revista Caros Amigos, fevereiro de 1999
Ulisses e os monstros urbanos
A nova realidade cultural, política, social e tecnológica produzida pelo surgimento das metrópoles foi incorporada como tema por grandes escritores do século 19, como Charles Dickens, Honoré de Balzac, Charles Baudelaire, entre outros, cujas antenas captaram o advento da sociedade de massas e as indagações que ela colocava para os indivíduos. Tampouco é um acaso que o grande romance da modernidade, Ulysses (publicado em 1922), de James Joyce, tenha por tema a relação do indivíduo com a cidade. O livro narra um dia na vida de Leopold Bloom e Stephen Dedalus, para quem a cidade - Dublin - se apresenta como um labirinto de labirintos (Dédalo, na mitologia grega, é o arquiteto que procura escapar do labirinto de Creta). Se o Ulisses grego era o herói que, em busca de seu próprio destino, era obrigado a enfrentar ciclopes, circes, sereias e encantos de sedução em terras e mares estranhos, somos os Ulisses anônimos que na própria cidade encontramos os nossos monstros. Fazemos incursões diárias, nas ruas da grande cidade, em mundos fantásticos, alucinantes, onde deparamos com deuses e demônios, santos e pecadores, redentores e bandidos. E Sigmund Freud mostrou à exaustão que somos, nós mesmos, esse mundo ao mesmo tempo conhecido e estrangeiro, habitado e inabitável, brilhante e sombrio. As ruas e armadilhas da cidade são como que o retrato objetivado de nosso "mapa psíquico". Flanar pelas ruas da cidade, nessa perspectiva, é viajar por nosso íntimo, como fazia o andarilho Baudelaire nas vias de Paris.
Na sociedade contemporânea, também chamada "pós-moderna", a cidade vive os mesmos dramas, as mesmas tensões, mas infinitamente agravadas, de um lado, pelas desigualdades sociais e de outro, pelo desenvolvimento das novas tecnologias. Os novos-ricos vivem nos bairros e setores das cidades que "funcionam", com estruturas adequadas de água, esgoto, eletricidade, meios de comunicação à distância, ao passo que os pobres vivem em favelas miseráveis e apertadas entre dois bairros elegantes, ou nas periferias miseráveis e abarrotadas, em barracos construídos às margens de esgotos a céu aberto, condenados a serem varridos pela próxima enchente. O relativamente recente surgimento dos condomínios fechados, a construção de castelos particulares guardados por fortes esquemas de segurança e a multiplicação de shopping centers, espaços fechados e protegidos que apenas simulam o espaço público, são signos do esgarçamento do tecido urbano, próprio a um sistema que alimenta as desigualdades sociais. No mundo pasteurizado e asséptico das elites, o desconhecido e o inesperado tornam-se, necessariamente, sinônimo de ameaça e perigo. É o fim da aventura.
Enquanto existirem Barbosas e Saletes - Parte 2
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