O PAÍS DOS PROJETOS DERROTADOS
Arnaldo Ferreira
Os brasileiros têm, ao menos muitos deles, a estranha e conhecida mania de desmerecer o país em tudo. Tudo no Brasil seria pior, motivo de vergonha.
Há causas profundas para essa postura.
Humildemente, tenho uma hipótese de resposta a essa estranheza.
De forma sucinta: muitos brasileiros desprezam o Brasil real porque nenhum projeto de nação já elaborado conseguiu se completar e se impor hegemonicamente ao país.
A elite, que sonhava com um país branco ocidental e se empenhou firmemente nisso desde fins do século 19, foi derrotada pela explosão populacional dos pobres na era - que eles não podiam prever - da penicilina e das vacinas. No século 21 o país é mais não branco do que nunca e a cultura com raízes africanas nunca foi tão forte.
A esquerda trabalhista - que sonhava com um sistema de salários mínimos altos, pleno emprego, educação e saúde públicas de qualidade e direitos trabalhistas ampliados - foi derrotada em 1945 e principalmente em 1964. Voltou ao poder em 2003, conhece avanços desde então, mas ainda insuficientes e instáveis.
As esquerdas marxistas amargam um série de revoluções abortadas, desde 1922 até as guerrilhas dos anos 1970. Conseguiram emplacar algumas de suas teses, como a ideia de legitimidade das ocupações de terras. Mas o fato é que latifundiários, banqueiros e especuladores continuam dominando o país.
Os liberais tentam desde 1932 acabar com os limitados direitos trabalhistas e organismos estatais criados pelo trabalhismo, sem muito sucesso. Com o rótulo de neoliberais, conseguiram chegar ao poder entre 1990 e 2002, privatizaram a maior parte das empresas do Estado, mas o Congresso barrou as investidas contra a CLT enquanto a sociedade impediu a privatização da Petrobras.
A direita conservadora, grupo que se organizou recentemente, cada vez mais apegado ao fundamentalismo religioso, vê um país entregue à laicidade e com grupos fortes lutando pela pluralidade de crenças e pelos direitos dos homossexuais.
O povo - pensando nos mais pobres, nos excluídos - não possui exatamente um projeto de nação, mas sem dúvida sente um mal estar profundo diante do sistema em que vive e que o prende a uma classe social inferior, com poucas perspectivas de ascensão real.
Nenhum desses projetos foi efetivamente derrotado, o que significa que nenhum venceu completamente.
Usando a metáfora conhecida (que alguns detestam), o copo está apenas meio cheio. O que abre as portas às lamúrias (e ao ódio) pela parte meio vazia.
Ninguém se sente vencedor no Brasil.
Eis, penso, a causa de tanto mimimi.
Como resolver isso?
Arnaldo Ferreira Marques: Brasil: um país de projetos em disputa
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