Tom Pina: Sr. Roberto Duailibi a quem interessa uma cidade-vitrine?

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Depois de pregar abertamente a repressão ao MTST, o Estadão resolveu mergulhar de vez no século XIX, início do XX e trazer de volta o espírito de Guilherme de Almeida, aquele espírito bandeirante, do 9 de julho, do quarto centenário, aquele espírito elitista que tinha horror aos imigrantes, aos pretos que transitavam pela São Paulo que esta elite paulistana, parida de uma invenção da tradição nos anos 50, achava e ainda acha que é só dela.

O horror do Estadão aos pobres, ao que é popular e a tudo que tem cheiro do povo, das periferias, a tudo que não tem cara de templo de consumo é tão gritante que se os herdeiros de Mesquita pudessem faziam espécies de campos de concentração para a população das periferias e tudo que possa ter alguma referência nela. Na visão elitista, excludente, autoritária deste jornal os pobres têm de ser tratados no chicote e não tem direito à cidade, às mínimas condições dignas de vida, a lutar por direitos ou sequer a se expressarem.

Só que nesta cruzada, o Estadão comete gafes imensas, mostra, por exemplo, toda a sua ignorância em relação, inclusive, àquilo que eles tanto valorizam: o mercado, no caso o mercado da arte. O arquiteto, urbanista e grafiteiro Tom Pina responde a Duailibi mostrando todo desconhecimento deste senhor sobre a cidade, sobre o direito à cidade, sobre o grafite e sobre a arte. Vale a pena ler cada linha deste libelo de cidadania reproduzido abaixo.

A quem interessa uma cidade-vitrine? Por Tom Pina, especial para o Maria Frô

Carta aberta a Roberto Duailibi, em resposta ao artigo “Queremos ser a capital do grafite?” publicado em 4 de Março de 2015 no site do d´O Estado de São Paulo

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A presença do graffiti na cidade de São Paulo deveria ser vista com um pouco mais de entusiasmo por parte da população. Esse tipo de voz presente em seu artigo apenas nos mostra a ignorância e o preconceito por parte das classes mais conservadoras da cidade. Por exemplo: o que seria a "coerência estética da cidade de São Paulo"? Gostaria que o senhor me explicasse melhor esse termo, porque como Arquiteto e Urbanista e artista de rua, eu realmente não o compreendi.

A cidade de São Paulo é cosmopolita e extremamente heterogênea; querer uma cidade monótona e cinza é querer uma cidade morta. As cidades são vivas, Roberto! São organismos vivos e como tal devem ser tratados. Planejar o graffiti para que este melhore a imagem da cidade não é falar de graffiti ou de arte, é falar de publicidade.

De fato, o senhor não é crítico de arte, mas como cidadão de São Paulo, eu respeito sua opinião e, assim sendo, gostaria que, por favor, o senhor respeitasse nossos artistas. Não chame nossa arte de lixo ou sujeira e nem muito menos a julgue como fascista. Afinal, não me lembro da população ter sido consultada ao menos uma vez para a instalação de qualquer tipo de publicidade na cidade. Publicidade essa que, por muitas vezes, incita a violência entre classes, enraíza o machismo, a misoginia e o preconceito dentro de nossa sociedade. Por favor, nos respeite. A nossa arte traz alegria e reflexão para muitos que não teriam a chance de entrar em qualquer galeria de bairros limpos e organizados ou “esteticamente coerentes”.

Em seu texto você citou, de forma infeliz, a morte de pessoas que tinham relação com a pichação e com o graffiti, justificando dessa forma que graffiti incita a violência. Volto a lembrá-lo das mensagens preconceituosas, machistas e prejudiciais que existem na publicidade, eu também me preocupo com isso.

Em relação aos arcos da Avenida 23 de Maio, gostaria que as pessoas tivessem focado sua atenção neles antes dos grafites serem feitos. Gostaria que soubessem que os arcos são, sim, um patrimônio histórico, construído talvez no século XIX, e que estão hoje envoltos por uma cerca que é, sim, de gosto discutível e uma agressão ao patrimônio e à cidade como ambiente de vivência, bem como a tinta salmão que tenta imitar de alguma forma a cor dos tijolos originais. Gostaria que os arcos como patrimônio histórico tivessem um projeto paisagístico melhorado. Talvez não tenha andado por lá, mas a calçada é minúscula.

Gostaria que não fundasse sua "crítica arquitetônica" nas ações dos artistas que foram os únicos que se mostraram verdadeiramente interessados em melhorar a cidade a ponto de fazê-lo com as próprias mãos. E não somente porque se incomodaram com a visual ao passar por ali, mas porque vivenciam a cidade de perto e fazem o que podem para contribuir.

Repito que a cidade é para ser vivenciada, não é uma vitrine.

Não vejo fundamento na sua preocupação em relação à imagem de São Paulo perante o mundo. Quem sabe programas ambientais e sociais não a diminuam? Particularmente, considero as canaletas de esgotos a céu aberto e o lixo mais prejudiciais à imagem da cidade do que o graffiti de São Paulo, que é reconhecido em alto nível no mundo todo e que atrai diversos artistas e colecionadores em busca de novas peças e novos artistas. Como publicitário, o senhor deveria saber que o que o senhor chamou de 'lixo' vêm ganhando cada vez mais novos adeptos e apreciadores no mercado, o que me parece exatamente o contrário do que está sendo afirmado em seu texto.

Se realmente queremos que São Paulo se torne a capital do graffiti? Talvez essa não seja essa nossa pretensão, mas a realidade é que São Paulo já é uma das grandes capitais do graffiti internacional e ganhamos muito com isso, principalmente nossa população.

*Tom Pina é Arquiteto, Urbanista e Artista de Rua