Foi o Alexandre Haubrich, do Jornalismo B que printou as duas notícias e viu o recorte de classe. Mas esta linguagem midiática traz mais que isso.
Certamente haverá leitores que não verão racismo, porque afinal não se fala da cor dos bandidos em nenhuma das matérias. O racismo naturalizado é eficiente exatamente por causa destas artimanhas. Uma dica pra você, portanto: quando o bandido é de classe média ele geralmente é branco e nunca é chamado de bandido se tiver a pele clara, os cabelos lisos, como neste primor de chamada, onde a vítima negra continua sendo depreciada ao ser chamada de 'infrator' e não de adolescente que é e os bandidos brancos - de classe média- continuam sendo tratados com todo cuidado por 'jovens', 'rapazes': Jovens que amarraram infrator em poste são detidos por tráfico - Rapazes de classe média são suspeitos de vender drogas na Zona Sul.
Fiquei curiosa com o linguajar do Globo-Ceará e fiz algumas buscas. Nem precisei gastar muito tempo para achar outras chamadas iguais. Na busca descobri algo interessante: em todas vemos a insistência em dizer que o 'traficante' não tinha antecedentes criminais. Esta é uma forma de dizer que todos são potencialmente suspeitos, todos são 'classes perigosas'. Assim quando a polícia em seus auto de resistência eliminá-los e descobrirmos que não tinham antecedentes criminais, o argumento dos familiares das vítimas sobre este aspecto será diminuído, justificando o fato de 70% dos jovens assassinados pelas PMs nas periferias brasileiras serem negros.
A quem exatamente se referem esse todos que são tratados como suspeitos mesmo não tendo antecedentes criminais? Aos jovens de classe média com 300 kg de maconha? Aos Perrela com 400 kg de cocaína pura?
Não absolutamente: o céu é do avião como diz Aécio, o helicóptero é dos Perrela, mas quase meia tonelada de coca não é de ninguém e todos estão livres. O "todos" se refere sempre aos habitantes de bairros pobres, favelas e comunidades, como no print abaixo, onde o bandido pobre, possivelmente negro com 15kg de maconha mora na favela Garibaldi ou como o de 10 kg de maconha que vive em outro bairro de baixa renda em Fortaleza.
Como aponta o professor Wagner Iglesias ao ver a comparação entre as duas chamadas: "Nada de novo no front. Quando é branco, olho claro, cabelo liso, loiro etc. é "jovem de classe média". Quando é negro, pardo, cabelo crespo, pobre etc. é "traficante". Ai depois vem aquele pessoal falar em "gente bonita", por um lado, e pedir "redução da maioridade penal", por outro."
Poderíamos aí recorrer ao enorme corolário de coisas ditas pela turma adepta da ideologia Bolsonaro:
Os direitos humanos para 'bandidos' devem ser aplicados para os 'jovens de classe média carioca da primeira manchete?
"Bandido bom é bandido morto vale pra 'jovens de classe média carioca com 300 kg de maconha ou a pena de morte é apenas para o bandido nordestino, cearense com 99,999% de chances de ser da cor preta que carrega 30 vezes menos a quantidade de maconha que os 'jovens de de classe média'?
Mas vivemos no Brasil, onde o diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel escreve livro intitulado "Não somos racistas" e governador do PT na Bahia justifica chacina cometida por policiais como gol de placa.