Há duas semanas presenciei uma cena em Brasília que me deixou muito surpresa: um policial ao lado do carro que eu me encontrava pára com sua moto no semáforo, vira-se para o motorista do carro ao meu lado e dá uma advertência oral ao condutor. Avisa-o que ele errou ao mudar de pista sem dar seta. O motorista ao invés de agradecer e adotar a orientação começou a discutir com o policial.
Eu fiquei estarrecida com o que vi. Virei para Rodrigo, meu amigo que conduzia o carro onde eu era passageira, e disse: Se fosse em São Paulo, com a polícia violenta que temos, o mínimo que aconteceria a este condutor seria levar uns petelecos, talvez uns tiros. Rodrigo disse: "A PM de Brasília não aceita suborno. Ele vai mandar o cara encostar e aplicar todas as multas das infrações que o malcriado cometeu". Dito e feito. O condutor infrator e bocudo recebeu a lição de casa, assim que encostou o carro, o bloquinho amarelo do policial entrou em ação.
Comentei com Rodrigo, o quanto a cena me surpreendeu. E que estava admirada de ao menos em BSB encontrarmos policiais educados e que agem respeitando à lei, sem abusar de sua autoridade.
O abuso de autoridade não é exceção, ele é regra na maioria das corporações do país. Pesquisas sobre violência dentro da própria corporação da polícia militar mostram que até a base da PM é contra a militarização das polícias.
E os policiais agem assim porque eles próprios são vítimas da corporação, submetidos a inúmeras violências em seu cotidiano e porque a impunidade diante do abuso de poder faz com que pareça que não precisam respeitar as leis. aliado a isto, a violência institucional é estimulada todos os dias.
Ouça/Veja o horário eleitoral. Vários políticos com discursos fascistas pregam mais cadeia como se o Estado não encarcerasse suficientemente os pobres; pregam a diminuição da maioridade penal, sonegando dos eleitores que a medida é inconstitucional; que as instituições de liberdade assistida se tornaram verdadeiros presídios para adolescentes em sua maioria negros, que crimes hediondos cometidos por menores são traços nas estatísticas da criminalidade. Alguns políticos, como Alckmin e Aécio que já tiveram o projeto tucano de Aloysio Nunes derrotado e enterrado pelo Senado, pregam o aumento de pena para menores.
Outro estímulo para o aumento da violência vem das tvs, elas legitimam diariamente a violência policial contra os mais pobres.
Marcelo Rezende, Datena, Sherazade e tantos outros apresentadores de TV de programas policialescos são milionários.
Eles enriqueceram estimulando o medo da população.
Eles enriqueceram afirmando que justiça com as próprias mãos é tolerável, justificável.
Eles enriqueceram gritando em horário nobre que bandido não tem de ser preso, julgado e cumprir sua pena, ao contrário, eles estimulam há anos a violência policial, enaltecendo policiais violentos, enaltecendo a violência institucional contra pobres, dependentes químicos, adolescentes e jovens negros.
Eles enriqueceram mostrando em horário nobre cenas de tortura de pobres contra pobres: quando algum ladrão pé de chinelo é justiçado por outros pobres que lhe enfiam sacos plásticos na cabeça, os Datenas, os Marcelos, as Sheherazades e suas cópias mal acabadas exploram repetidamente as cenas de um miserável sem ar com a cabeça enfiada em saco plástico se debatendo, preso por outros miseráveis que o torturam.
A Guarda Municipal de São Paulo assim que foi criada por Jânio Quadros matou um sem teto em uma ocupação que sofria reintegração de posse. Da década de 1980 até hoje esta Guarda sempre agiu com poder de polícia e como as PMs e sua extrema violência, sempre foi enaltecida por esses vampiros televisivos do horário de sangue.
Cada palavra dita por Marcelo Rezende durante os 16 minutos que ele explorou a indignação dos telespectadores mostrando a dor da família do ex-pugilista Edson Guedes, de 42 anos, morto a tiros por policiais despreparados e violentos,é de um cinismo atroz. Grande parte da legitimidade desta polícia despreparada, violenta, sem qualquer compromisso com Segurança Pública foi dada anos a fio por apresentadores vampiros como Rezende. A violência institucional dessas polícias, todas elas, é estimulada cotidianamente cada vez que esses sujeitos abrem a boca em seus programas que escorrem sangue da tela e exploram de todos os ângulos a violência.
De acordo com a reporcagem dos vampiros do horário do sangue o Garra foi acionado! Por que e por quem o Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos da Polícia Civil do Estado de São Paulo foi acionado? Para conter um vendedor de água na Bienal do Livro?
A ordem de prisão dada à irmã desesperada e aos gritos ao reconhecer o corpo de seu irmão abatido a tiros por aqueles que deveriam cuidar da nossa segurança é apenas a cereja do bolo desta tragédia anunciada.
Não se enganem, Rezende não tem qualquer empatia com as vítimas desta tragédia, se tivesse pediria demissão e parava de legitimar cotidianamente todo o horror que todas as polícias cometem dia a dia sempre contra os mais vulneráveis.
Quanto a nós, se queremos que este horror termine, devemos exigir a aprovação da PEC 51, a desmilitarização da PM, a reorganização da Guarda Civil que sequer deveria andar armada.
Devemos, igualmente, exigir investigação rigorosa pelas corregedorias da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Civil do Estado de São Paulo para saber de onde partiram os tiros? Da GCM ou do Garra? Se foi o Garra, quem acionou uma força para assalto a bancos para conter um vendedor de água? Serão punidos os policiais despreparados que descarregaram a arma em um vendedor de água?
E quanto a esses programas vampirescos que estimulam e legitimam cotidianamente a violência institucional? Tal como a polícia que abusa de seu poder, esses apresentadores irresponsáveis serão punidos pelo estímulo cotidiano da violência, por várias vezes agirem contra o que prega a Constituição ou também estão acima da lei?
Quando entenderemos que sem democratizar a comunicação no Brasil os assassinatos dos pobres continuarão enchendo o bolso das emissoras em seus horários de sangue e seus apresentadores que vivem jogando a Constituição brasileira no lixo?
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